O Lobisomem de Picos.

Praticamente toda cidade tem uma história de lobisomem, em Itaboraí–RJ, não seria diferente. A pessoa que me contou esse ocorrido é de extrema confiança e não é apegada a mentiras. Para melhor ilustrar, vou chamá-lo de "seu Francisco", assim facilita a compreensão. Só espero que não tenha ninguém com esse nome que tenha passado pela mesma situação, seria coincidência demais.

A noite esconde mistérios que até os mais entendidos não conseguem explicar, há relatos de aparições de lobisomem em várias partes do Brasil, algumas delas, até documentadas pela polícia. Com uma breve pesquisa na internet, é fácil encontrá-las, seja causo ou realidade. De uma coisa tenho certeza, ninguém quer encontrar uma fera dessas pela frente em noite de lua cheia, o que tornaria a cena mais assustadora ainda.

Itaboraí abrigou e ainda abriga muitas fazendas, elas foram muito importantes para o progresso da região. Com suas casas de farinha, engenhos de açúcar e de fubá de milho, atraiam não só agricultores que levavam suas colheitas para moer, mas também a besta fera que, não me perguntem o porquê, gostava de comer fubá recém-moído.

O que um homem apaixonado não faria por sua amada? Essa era a pergunta que o jovem Francisco fazia para si enquanto pedalava a sua bicicleta em direção ao vilarejo de Picos. Naquela época, energia elétrica era coisa rara. As noites eram iluminadas pela lua e por vaga-lumes apenas. Era nesse cenário que o nosso destemido Francisco pedalava para encontrar sua namorada. Ele sempre ouvia os comentários de aparição da fera nos moinhos das fazendas, mas ele procurava não pensar nisso enquanto pedalava. Focava sua mente no objetivo de chegar logo à casa de sua amada, homem de fé, entregava seu caminho ao Senhor.

Conta-se que em uma noite muito escura, após Francisco ter saído de seu trabalho na cerâmica, ele resolveu pegar sua bicicleta e visitar sua namorada, mesmo contra alguns pedidos de amigos que tentaram convencê-lo a não ir devido aos boatos do lobisomem. Mas ele não poderia se atrasar, pois era aniversário de sua futura sogra. Naqueles tempos, os eventos familiares terminavam cedo, antes das 22 h. Após chegar e participar da comemoração, simples, mas com certa fartura, Francisco despediu-se de sua amada em um clima romântico. A lua cheia iluminava o laranjal em flor, que exalava um perfume fresco, levemente doce. A claridade prateada era tão intensa que ele podia contemplar nitidamente o belo rosto de sua namorada. Antes de sua saída, ela perguntou se ele não estava com medo. Devido aos comentários do bicho, Francisco respondeu confiante que o medo tinha medo dele! Após leve sorriso, montou em sua "Barra Forte." -- Hoje nem preciso ligar a lanterna! Falou destemido antes de sair pedalando. A menina sorriu e voltou apressada para dentro assim que ele se afastou. Ela não tinha a coragem de Francisco.

À medida que ia pedalando, o nosso amigo ia admirando os laranjais. Admirava a beleza daquela lua cheia e ouvia com alegria o canto dos grilos e das aves noturnas, de fato ele não tinha medo. Ao percorrer cerca de três quilômetros de seu caminho, Francisco percebeu que os grilos pararam de cantar, nesse momento nenhum pio ou gorjeio foi ouvido. Os pássaros também se aquietaram. Um silêncio que tapava os ouvidos pairou sobre aquela rua de Picos. Isso fugia à normalidade, Francisco ouviu as batidas de seu coração e elas estavam mais aceleradas do que de costume. Ele aumentou o ritmo das pedaladas, a corrente rangeu, estalou, saiu. Ainda não estava sentindo medo, apenas um sentimento que lhe tirava a calma e inquietava-lhe a alma. Uma mistura de agonia e agitação. Desceu então para reparar a bicicleta. De repente, um nevoeiro começou a baixar, estranho, pensou. O silêncio ensurdecedor trouxe consigo um pavor que o fez soltar a bicicleta para olhar com mais nitidez uma criatura peluda e aterrorizante que surgia com a passagem do nevoeiro. Logo que dissipou a névoa, foi possível ver refletida a figura de um lobisomem que já abaixava para a posição de lobo, pronto para correr em sua direção. A luz do poste, amarela e fraca, voltou a funcionar naquele exato momento de tensão. Francisco percebeu que se tratava de um antigo poste de telégrafo, e nele tinha pequenas escadas de ferro para facilitar a manutenção dos fios. Ele não pensou duas vezes, subiu depressa para salvar sua vida da misteriosa criatura que se aproximava com velocidade. Lá no alto, ele repensou suas crenças; tudo o que julgava não existir, tudo o que acreditava ser irreal agora era real. Ele, que há muito não ia à igreja, lembrou do Pai-Nosso, que rezou com muita fé. Após isso, a criatura que se aproximava tomou o rumo da mata e desapareceu em meio à noite. Francisco respirou, agradeceu a Deus, fez o sinal da cruz e pensou, olhando para a luz: o que eu estou fazendo aqui? Desceu do poste e seguiu.

No outro dia, enviou uma carta para Maria terminando o namoro.

Fim.

Fabrício Fagundes
Enviado por Fabrício Fagundes em 29/12/2024
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