O JANTAR DA DESPEDIDA
A mesa estava posta como sempre: a louça que ela tanto amava, guardanapos de tecido dobrados com perfeição, a garrafa de vinho tinto respirando ao lado de duas taças que refletiam a luz baixa do abajur. Ela usava o vestido azul que eu comprei no nosso aniversário de dois anos. "É o meu preferido", dizia. Ainda era. Não sei se pelo corte que realçava sua cintura ou pela memória da noite em que ela o vestiu pela primeira vez.
"Você está estranho hoje", ela disse, entre uma garfada e outra. Sua voz soava leve, como quem espera uma resposta boba, algo como "estou cansado" ou "foi o dia no trabalho". Mas não respondi. Continuei cortando o filé no prato, tentando ignorar a pressão invisível que apertava meu peito.
Ela continuou falando sobre o novo projeto no trabalho, o chefe exigente, os colegas invejosos. Outrora, nossas conversas fluíam naturalmente, preenchendo a sala com risadas que pareciam eternas, mas agora, suas palavras eram como ecos distantes, ressoando em um vazio que eu não sabia como preencher. Eu observava cada movimento: os dedos finos segurando a taça, a forma como seus olhos brilhavam quando ria de algo que disse, o jeito como o cabelo caía levemente sobre o rosto, e ela o jogava para trás com um movimento quase automático.
Queria interrompê-la. Dizer tudo. Que eu sabia. Que ela não era mais minha, mesmo estando ali. Que o cheiro do perfume no casaco dela não era o meu. Que os atrasos, as mensagens rápidas e evasivas, o silêncio depois das 22h, tudo gritava mais alto do que as palavras que ela ainda me dizia.
Mas eu não disse.
"Você mal tocou no seu prato. Não gostou?"
"Está ótimo."
Ela sorriu. O mesmo sorriso que um dia foi a razão de tudo, mas que agora era só um eco do que foi. Era engraçado. Eu sabia que ela me amava um dia. Era algo real, palpável. Mas o amor também morre, não é? Ele adoece em silêncio, até que um dia você percebe que está diante de um cadáver, tentando fingir que ele ainda respira.
O jantar continuou, e eu deixei que ela falasse. Cada palavra parecia uma despedida não dita, cada riso uma nota final de uma música que eu já sabia de cor. Quando ela se levantou para buscar a sobremesa, fiquei ali, encarando a mesa, o vazio entre nós dois crescendo como uma sombra.
Ela voltou com duas taças de creme brûlée. "Sua favorita", disse. Sorri. Era o que restava: um sorriso. O último gesto de um homem que decidiu partir.
Quando terminamos, ela recolheu os pratos, ainda falando sobre o dia, os planos para o final de semana, a vida que ela achava que ainda tínhamos. Eu me levantei, peguei meu casaco, e ela me olhou, confusa.
"Vai sair? Já está tarde."
"Vou."
Ela não perguntou para onde. Não insistiu. Apenas ficou ali, na cozinha, segurando o prato como quem segurava uma pergunta que não queria fazer.
Eu saí sem olhar para trás. O jantar acabou. E com ele, tudo.