MINEIROS INVADIRAM CARAVELAS NO SÉCULO XX

Ricardo De Benedictis

Já no Brasil República, havia uma ferrovia denominada ‘Bahia e Minas’ que ligava o Norte de Minas Gerais (Araçuaí) e o extremo Sul da Bahia, em Caravelas, em cujo local os fatos ocorreram.

Conta-se, e é voz corrente em Caravelas, que os mineiros fizeram inúmeros pleitos políticos com o governo federal visando uma faixa litorânea para facilitar suas exportações e também para o lazer. O certo é que, desde pequenos, os mineiros tinham uma vontade louca de conhecer o Mar. Quando chegavam na Bahia, nos vagões lotados para passarem alguns dias de férias, era uma farra danada, a ponto dos mais acostumados com as idas e vindas, pregarem peças nos ‘calouros’. Na ida para a praia os mais habituados diziam aos calouros para levarem sabonete e toalha pois iam tomar banho de mar... – ora vejam - vários homens e mulheres de maiô e short levando uma toalha no pescoço e uma sacolinha com sabonete e outra com farofa de frango! – imaginem a gozação!

Brincadeiras à parte, houve inúmeras propostas para que a Bahia cedesse parte do seu território para que Minas pudesse ter a glória litorânea à sua mercê. Entretanto, apesar de entenderem os propósitos dos irmãos mineiros, era uma tarefa muito árdua, do ponto de vista do Direito Constitucional. Haveria que se fazer tramitar uma PEC – Projeto de Emenda Constitucional lastreada por plebiscitos nos dois Estados federados, já que Minas cederia parte do Norte para a Bahia em troca da área do extremo Sul baiano, sem contar a questão histórica, ligada ao ‘Descobrimento’, verdadeiro tabu. Enquanto os políticos discutiam tais possibilidades, os mineiros iam sonhando com esta hipótese até chegarem ao clímax da impaciência, décadas e décadas sem uma solução plausível. Um grupo de mineiros de Teófilo Otoni passou a estudar a possibilidade de invadir e tomar o território na ‘marra’, aproveitando os vagões de passageiros do Trem que fazia a linha Araçuaí (MG) – Caravelas (BA). Passaram a se armar convenientemente com fuzis 44 papo amarelo Winchester, arma de 14 tiros de grande poder destrutivo fizeram uma reserva em dinheiro para manutenção dos mais de 100 homens inscritos para a aventura, uma vez que a reação não seria tão grande e os poucos militares baianos deveriam ser apanhados de surpresa. Na empreitada, alguns militares da reserva e outros de férias comandaram o treinamento e se prepararam para o embate.

Àquela época as comunicações eram muito precárias. Feitas através dos Correios por telegrama que andava ‘em lombo de burros’. Uma carta levava semanas e meses. Não havia telefone nem rodovias, restando a alternativa da Ferrovia Bahia e Minas.

O quartel general dos invasores era a cidade de Teófilo Otoni e Caravelas por ser a cidade que recebia o ponto final da ferrovia, um alvo fácil, com meia dúzia de policiais militares e uma vila de pescadores na Barra, a cerca de 10 kms. da sede. Quando os preparativos estavam a ponto de se deflagrar, tomando conhecimento daquele ato de terror, o telegrafista de Teófilo Otoni – que era baiano – na véspera da partida do comboio usou o ‘morse’ para avisar o colega de Caravelas ao qual pediu segredo absoluto, mas que ele avisasse o prefeito e se mantivesse atento para a data estabelecida e horário de chegada da composição férrea. O prefeito inicialmente achou aquilo muito estranho e como não havia tempo para muita coisa, conversou com o delegado e o tenente que comandava os policiais para preparar uma defesa estratégica inusitada para os valentes mineiros.

A cidade e a Vila dispunham de alguns armazéns de secos e molhados, algumas pequenas lojas comerciais para atender a pequena população de cerca de 2 mil pessoas que por ali viviam.

O prefeito com seus funcionários, colocaram em ação um plano emergencial: - retiraram todos os comestíveis das prateleiras e deixaram apenas bebidas destiladas, tipo cachaça, licores adocicados, copos à vontade e mandaram as famílias para uma praia distante com material farto de manutenção por alguns dias. Quem tinha arma, munição e sabia atirar, foi convocado para uma possível troca de tiros, etc, etc.

Quando o Trem chegou, os invasores partiram para os armazéns e se depararam com bebida à vontade e nem notaram que não havia alimentos. Depois de fazerem uma breve incursão pela redondeza notaram que não havia viva alma por perto. Aí partiram para a comemoração. Beberam, beberam e ali mesmo dormiram. Quando acordaram estavam todos com mãos e pés amarrados. O maquinista e o cobrador foram levados para a Cadeia Pública e juraram nada ter a ver com a situação. Que era normal para eles viajarem para a Bahia com os vagões lotados e que foram avisados para aguardarem as ordens do chefe da expedição para o retorno a Minas.

Pensando na despesa que a prefeitura teria com a alimentação de 100 homens famintos, o prefeito ordenou que os meliantes fossem amarrados nas cadeiras sob guarda de alguns policiais armados até a divisa dos estados da Bahia e de Minas Gerais, após o que, voltaram montados em seus burros que haviam levado nos vagões de carga!

Dizem que a chegada deste comboio em Teófilo Otoni foi chocante. Uma derrota sem ter dado ou recebido um tiro sequer! Até hoje se fala dessa armadilha em Caravelas!

Este tipo de defesa os russos usaram contra Napoleão Bonaparte, Imperador Francês que invadiu a Rússia e encontrou as cidades desertas. O Exército teve ordem de seguir avançando até chegar o Inverno de - 20º que aniquilou os franceses que tiveram de bater em retirada perdendo dois terços da tropa, armas e cavalaria. Aprende-se com os erros alheios. Copia-se o que dá certo e usam-se dos erros para acertar!

Foi isso que aconteceu com os mineiros. E eles continuam utilizando as praias da Bahia. Compram terrenos, constroem suas casas de veraneio, compram e vendem casas prontas, sem a necessidade de tomar aquilo que não lhes pertence! Foi uma boa lição!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 16/12/2024
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