O Fantasma Gaúcho

Numa noite fria e enluarada nos pampas do Rio Grande, ventos uivavam como lamentações dos antigos gaúchos que cavalgaram aquelas terras. Nas cercanias de uma estância abandonada, diziam os mais velhos, vagava a sombra de um gaúcho sem nome. Dizia-se que ele fora um peão destemido, há muito tempo, conhecido por sua habilidade com o laço e por seu cavalo veloz como o vento. Contavam os mais velhos que ele se envolveu em uma rixa entre estâncias rivais, resultando em sua morte trágica num duelo ao luar. Desde então, sua alma penava, buscando paz entre os vivos. Alguns afirmavam tê-lo visto montado em seu cavalo negro, galopando silenciosamente pelas coxilhas. Outros juravam ter ouvido o som de esporas batendo no chão e o eco de risos perdidos no tempo.

Certo dia, um jovem peão chamado João, curioso e destemido como todo bom gaúcho, decidiu investigar os rumores. Montado em seu cavalo baio, partiu rumo à estância abandonada, guiado pela lua cheia que iluminava seu caminho.

Ao chegar às ruínas cobertas de hera, sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O vento sussurrava segredos antigos, e os grilos cantavam uma sinfonia melancólica. João desmontou e adentrou o casarão de paredes desgastadas pelo tempo.

Dentro, o ambiente era sombrio e empoeirado, mas João não se deixou intimidar. Caminhou pelos corredores vazios, seguiu o rastro de luz que entrava pelas janelas quebradas. Foi então que ouviu um relincho distante, ecoando como um lamento no silêncio da noite.

Seguindo o som, chegou a um estábulo abandonado onde, na penumbra, avistou a figura de um cavalo negro reluzindo à luz do luar. Ao seu lado, um vulto humano vestido com trajes antigos, erguia uma garrafa de chimarrão à boca, como se buscasse conforto em cada gole.

— Quem és tu? — perguntou João, tentando controlar o tremor em sua voz.

O espectro ergueu os olhos para ele, e João viu o brilho de uma tristeza profunda em seu olhar. Com voz rouca, o fantasma respondeu:

— Sou aquele que vagou por estas terras desde tempos imemoriais, buscando redenção e descanso. Fui peão como tu, perdido na teia das rivalidades e da ambição desmedida. Minha vida foi cortada como o fio de uma faca, e agora sou condenado a vagar entre o mundo dos vivos e o além.

João escutou atentamente, sem saber se devia temer ou compadecer-se daquela alma aflita. Então, com coragem típica de quem cresceu nos pampas, propôs:

— Permita-me ajudar-te a encontrar paz. Se precisas de descanso, deixe-me guiar-te para além destes campos, onde tua alma possa finalmente repousar.

O fantasma fitou João com surpresa e gratidão nos olhos. Num gesto solene, aceitou a oferta do jovem peão. Juntos, eles cavalgaram sob o luar até as colinas distantes, onde o espírito finalmente encontrou o caminho para a eternidade.

Desde então, dizem que a estância abandonada nos pampas do Rio Grande tornou-se um lugar de paz, onde a sombra do gaúcho sem nome nunca mais foi avistada. E João, o jovem peão, ganhou o respeito e a admiração de todos por sua coragem e compaixão diante do mistério que assombrava aqueles campos ancestrais.

Marton Costa
Enviado por Marton Costa em 07/12/2024
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