O Fantasma da Praça Duque de Caxias
Marabá, anos 50. A cidade tinha um ritmo próprio, marcado por luzes que piscavam antes de mergulhar tudo em escuridão. Às dez da noite, a termoelétrica da Barão entregava seu aviso final: três piscadelas antes do breu absoluto. Era a senha para o silêncio e o recolhimento, um ritual tão certo quanto a missa das manhãs de domingo. Mas o que vinha depois desse apagar de luzes é que moldava as lendas e os segredos.
Era lá, nas horas mortas, que ele surgia.
A figura avantajada, de branco dos pés à cabeça, flutuava pelo entorno da Praça Duque de Caxias. “O fantasma”, cochichavam alguns; “o castigo dos céus”, diziam outros. Ninguém sabia ao certo o que era ou o que queria, mas havia uma certeza sussurrada nas rodas de conversas , às vezes, no confessionário do Padre Balthazar: ele só aparecia para mulheres.
Sempre na lua minguante, como se escolhesse o momento mais propício para espiar segredos escondidos.
As moças que o viam – ou diziam vê-lo – carregavam aquele medo peculiar que mistura pavor e fascínio. Alguns juravam que o espectro era apenas uma alma à procura de repouso. Outros, mais mundanos, apostavam que era algum malandro vestido de assombração, aproveitando a escuridão para fins menos nobres.
No entanto, com o passar dos meses, o mistério do homem branco foi sendo associado a algo mais terreno: os filhos sem pai que começavam a nascer pela cidade.
No Cartório de Registro Civil do Senhor Alberto Santis , as histórias ganhavam outra forma: “pai desconhecido”. Os livros oficiais guardavam silêncio sobre aquilo que todos cochichavam. Os filhos do oco do pau, como diziam, cresciam sem um sobrenome completo, mas não sem histórias. Eram filhos da noite, da lua minguante, do segredo que o breu e a figura de branco ajudavam a cultivar.
A cidade de Marabá vivia, então, entre o real e o imaginário. Durante o dia, o sol ardia e todos cumpriam seus papéis, de chapéu à testa e passo apressado. À noite, a escuridão e o espectro faziam brotar o outro lado das coisas, o lado que ninguém queria admitir.
O padre Balthazar ouvia confissões e entregava penitências em murmúrios.
As mães abaixavam a cabeça, rezando para que os cochichos nunca fossem altos demais.
Mas os filhos do oco do pau cresceram. Alguns com o peso do silêncio, outros com a força da superação. Para eles, a figura branca das noites sem luz foi apenas um prelúdio para o mundo de sombras que enfrentariam sob o sol. Afinal, quem cresceu no mistério sabe carregar a verdade com coragem – ou escondê-la, se for preciso.
E a Praça Duque de Caxias? Ah, ela ainda guarda a memória de passos e sussurros que não constam em cartórios, mas fazem parte da alma de Marabá
Ah, Marabá, terra de luzes que piscam e mistérios que persistem. O Fantasma do branco imaculado, aquele que vagava pela Praça Duque de Caxias, parecia destinado a permanecer uma lenda eterna. Mas não foi assim que a história quis desenhar seu fim. Dizem que até as assombrações têm coração, e o desse, ao que consta, bateu forte por uma morena de olhos negros e destino errado: casada com um homem de fama perigosa e espingarda fácil.
O marido, desconfiado dos passos noturnos da mulher, decidiu que bastava de assombrações rondando seus domínios.
Armado de sua calibre 20, montou guarda na escuridão. Esperou pacientemente, entre o farfalhar das folhas e o silêncio das ruas adormecidas. Quando a figura de branco finalmente surgiu, imponente como sempre, o ciumento nem pestanejou. Dois disparos ecoaram na noite, quebrando o silêncio que até então era território do Fantasma.
Pelas primeiras horas da manhã, quando a curiosidade venceu o medo, os vizinhos chegaram para ver o que restava do “maldito”. Mas, ao invés de ectoplasma ou fumaça, o corpo era de carne e osso – e era conhecido de todos. Lá estava o sacristão Antônio, fiel servidor da igreja e, ao que parecia, amante discreto sob o disfarce do Fantasma. Dizem que seu amor pela morena o levou a arriscar a vida em noites de lua minguante. Arriscar, até perder.
Agora, dizem por aí que Antônio ganhou a verdadeira imortalidade. Se antes era só um fantasma de mentira, agora se tornou legítima alma penada. Quem passa pela Praça Duque de Caxias em noites sem luz garante ouvir os passos arrastados, sentir um vento frio de repente. Outros juram ver uma sombra branca espreitando pelas esquinas.
E assim, Marabá, com suas histórias que misturam o real e o fantástico, ganhou mais um capítulo para contar. O Fantasma do branco imaculado se foi, mas a lenda de Antônio permanece – porque, em terras como essas, o que morre de verdade não é a alma, mas o silêncio.