DA ÁGUA PRO VINHO
O nosso personagem, Romualdo Filho, 23 anos tem um subemprego de entregas de uma padaria ali da Rua Marquês de Abrantes, é o protagonista da nossa história, nascido e criado na favela do Morro Azul, comunidade encravada em local nobre da Zona Sul, entre os bairros de Botafogo, Flamengo e Laranjeiras.
Com muitas limitações físicas a comunidade se espraia por um relevo acidentado e conta com dois acessos: um mais nobre por Botafogo e outro mais longo e tortuoso pelo Flamengo. Hoje o Morro Azul, que já foi até estação do Metrô, posteriormente rebatizada de Flamengo, conta com pouco mais de quatro mil moradores.
Aldo, como é conhecido pelos vizinhos, sempre teve dificuldades acadêmicas, foi passando de ano graças a uma política da prefeitura, que gosta de manipular resultados educacionais, tanto no quesito abandono, como na aprovação, e para isso inventou um jabuti batizado de aprovação automática, extensiva a diversas séries do ensino fundamental.
Até recentemente, esse jovem podia ser inserido naquele grupo conhecido como os nem, nem, ou seja, nem estudava e muito menos trabalhava. Se ocupava com a alienante diversão dos games, com preferência para os violentos, com a eterna batalha entre policiais e malfeitores.
O tio Pedro, padeiro de um estabelecimento local, enfim conseguiu abrir o mercado de trabalho pro moleque, que apenas teve como exigência, reduzir o Black Power e saber andar de bicicleta. A contragosto desbastou a cabeleira e começou a trabalhar, sem carteira assinada, sem contrato, valendo apenas o verbal, ainda para testar as habilidades do jovem. Depois de nem, nem ele migrou para os sem, sem, sem!
Ganhava um valor para cada entrega, não importando a distância a ser percorrida no pedal. O horário também não foi definido, quanto mais tempo dedicasse às entregas, maior seria a remuneração ao final do mês, e o mais complicado, como não tinha contrato, também não dispunha do desejado descanso semanal.
Surpreendendo a todos, Aldo se transformou numa máquina voltada para o trabalho, criando até animosidades com outros dois entregadores mais antigos da padaria.
Aos incautos, lembro que essa nova categoria de emprego funciona com realidade análoga a escravidão, aboliu vínculo entre empregador e empregado, inclusive a bicicleta, equipamento fundamental para exercer a profissão, passou a ser as laranjinhas, alugadas pelo empregado de uma instituição bancária.
Interessante que o moleque passou a inovar nas entregas, primeiro comprou sua primeira bicicleta e mandou instalar um motorzinho a combustão extremamente econômico, posteriormente duas caçambas, uma dianteira e outra traseira, praticamente eliminando o emprego dos dois outros entregadores, o moleque fazia tudo com muito mais eficiência.
Aldo, já ficara popular no bairro do Flamengo, o barulho do motorzinho na bicicleta era uma característica que identificava o moleque, no seu constante ir e vir pelas vias do bairro.
E não é que o lado empresarial de Aldo veio à tona, conversando com outros entregadores, sentiu que tinha espaço para negociar essas bicicletas com motor a explosão, que desfrutam de boa relação custo/benefício, muito inferior ao das bicicletas elétricas, com valor inicial quase três vezes maior.
Hoje este novo empresário já conta com o aluguel de vinte bicicletas, e mudou de ramo, agora tem uma oficina de manutenção de bikes, com atenção especial para aquelas que aluga, pois o desgaste destas é maior, rodam mais, exigem freios mais adequados e pneus mais resistentes.
Quem imaginaria, que em tão curto espaço de tempo um nem, nem se transformaria num empresário de um segmento que ele mesmo fez crescer.