A ILUSÃO DAS PROPAGANDAS

Scaramouche, com seus 81 anos vividos de forma intensa, sentou-se diante da televisão com o controle remoto firme nas mãos. O olhar sereno carregava a sabedoria de décadas, mas também uma pitada de cansaço. Afinal, ele havia visto o mundo transformar-se em um lugar que ele mal reconhecia. Quando nasceu, nem rádio havia em sua casa; a comunicação era uma questão de proximidade, de conversa direta, e as novidades viajavam ao ritmo do boca a boca. Hoje, o fluxo incessante de imagens e sons parecia tão avassalador quanto vazio.

Ele apertou um botão e começou a navegar pelos canais. A cada troca, uma enxurrada de promessas: um creme para rejuvenescer, um aparelho que prometia saúde instantânea, uma pílula milagrosa que resolveria todos os problemas. "Se tudo isso fosse verdade", pensou ele, "seríamos todos perfeitos, imortais e felizes." Mas sabia que a vida não era assim. Sabia disso por experiência própria, pelos tombos que levara e pelas batalhas que vencera.

Com um suspiro, ele parou em um canal que exibia uma propaganda de um colchão "revolucionário", que prometia transformar noites de insônia em um sono profundo e restaurador. "Ah, se fosse tão simples assim", murmurou, com um sorriso cético. Imaginou como seria sua casa se ele tivesse comprado tudo o que já fora anunciado como essencial. Provavelmente precisaria de um galpão só para guardar as promessas não cumpridas.

"Essas propagandas não vendem produtos, vendem ilusões", refletiu. "E o pior é que muitos acreditam. Compram na esperança de preencher um vazio que nenhum objeto pode preencher." Ele sabia disso porque aprendera, ao longo da vida, que o que realmente importava não podia ser comprado. Era o abraço de um amigo, a risada de uma criança, o vento no rosto enquanto pedalava sua bicicleta e sua moto por São Leopoldo/RS. Ele pensou nos que tinham pouco, mas se agarravam à vida com dignidade. E também nos que tinham tudo, mas continuavam vazios. As propagandas vendiam a ideia de que felicidade e sucesso eram produtos, disponíveis para quem pudesse pagar. E os ricos, esses ficavam cada vez mais ricos, alimentados por essa máquina de ilusões. E o controle na mão mudava de canal ou tirava o som... para deixar de ver a loucura das propagandas.

Scaramouche desligou a televisão. O silêncio da sala era um alívio bem-vindo. 

"A maior riqueza que já encontrei na vida não foi anunciada em nenhuma propaganda. Ela veio no sorriso de quem amo, na superação de cada desafio, no valor de ser apenas eu mesmo. E isso, meu amigo, nenhuma pílula ou produto pode oferecer."

Ele sorriu para si mesmo. Ainda havia muito a escrever e, enquanto tivesse forças, continuaria compartilhando sua sabedoria com o mundo. Afinal, era isso que fazia valer a pena.

Neri Satter – Novembro de 2024   CONOS DO SCARAMOUCHE

Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 24/11/2024
Código do texto: T8204613
Classificação de conteúdo: seguro