Girassóis
Girassóis
Baseado em fatos reais
Dois jardineiros trabalhariam na manhã do dia seguinte em frente a uma loja, enfeitando com girassóis um longo canteiro que tinha o formato de um sorriso. Um deles tinha muita experiência, ele era um senhorzinho e ensinava com muita paciência. Já o outro era recém chegado na empresa, dominava as técnicas básicas de plantio e tinha muita energia. Este gostava de aprender e ver seu trabalho pronto. Às vezes ele fazia com pressa seu serviço para poder ver o resultado. O que gerava retrabalho, afinal, ficava mal feito. Eles estavam animados, o trabalho seria ao lado de um bom restaurante.
A manhã chegou e o mais velho buscou com o carro de carga da empresa o mais novo. Os dois seguiam o caminho que levava ao canteiro, conversavam sobre vários assuntos. Em cada sinaleiro em que paravam, um pedinte se aproximava do vidro do lado do motorista e pedia uma esmola:
-E aí bicho grilo, descola uma moeda pra nois... - Falava uma voz rouca mal vestida.
O senhor deu uma ou outra moeda.
Estavam indo em direção a uma loja que ficava em uma rua muito movimentada no centro da cidade. E o número de pedintes aumentava a cada quadra.
Eles chegaram, desceram do carro, descarregaram as ferramentas e começaram a trabalhar. Vários mendigos, pedintes, moradores de rua passavam por ali enquanto eles trabalhavam. O jardineiro mais novo percebeu algo, falou:
-Eu vejo vários pedintes passando por aqui, alguns dão até “oi” ou “bom dia”, mas nenhum para de andar e nos pede nada. Está vendo isso?
-Claro. Mas quando estávamos no carro muitos pediram. Consegue entender o porquê?
-Não... Com o carro parece que temos dinheiro para dar?
-Sim, mas tem mais motivos. Se por acaso um deles parasse agora para pedir um trocado e você oferecesse dinheiro em troca de um pouco de ajuda em seu trabalho, o que acha que o pedinte fará?
-Aceitará, claro!
-Então faça o teste. De um “oi’ para um andarilho e ele terá coragem de pedir algo a você. Depois ofereça dez reais para ele descarregar todos os sacos de terra do carro ao longo do canteiro, algo que levará no máximo vinte minutinhos.
E assim o ajudante mais novo fez. Quando passou um andarilho olhando de canto de olho para os jardineiros, o jovem abriu um sorriso e deu seu bom dia.
O andarilho respondeu com outro bom dia. Continuou andando mais um pouco, parou. Voltou até ele e falou:
-Licença moço, por acaso tem algum trocado pra me ajudar?
O jovem fez a proposta. Dez reais para descarregar alguns sacos de terra. Serviço de vinte minutos. Nessa época, a dona de casa comprava com dez reais uma caixa e meia de ovos. Os viciados, duas pedras de crack.
O andarilho olhou aqueles sacos, rapidamente disse:
-Não posso, tenho problema nas costas moço...
Surgiu um silêncio constrangedor.
-Mas dez reais me ajuda muito moço... – Falou suplicante o andarilho.
O jovem deu os dez reais. O velho riu.
Após o andarilho se afastar, o jovem falou:
-O senhor já sabia que seria assim, não sabia?
-Sabia. Os andarilhos que passam por nós não pedem dinheiro porque tem o risco de receber uma proposta de trabalho. Mas quando nós pararmos de trabalhar no final do dia será engraçado.
Era a hora de almoçar no tão esperado restaurante. Andarilhos que passavam em frente a ele pediam para que eles pagassem um almoço. Dessa vez o jovem não fez o teste com nenhum andarilho. O senhorzinho ofereceu pagar um almoço ao primeiro pedinte que apareceu ali, mas esse disse:
-Se o senhor puder me dar o valor em dinheiro me ajuda bastante também...
O senhorzinho deu então o valor em dinheiro. O andarilho pegou e saiu se perdendo pelas ruas. O jovem achou estranho:
-Ele não vai usar para comprar comida! Por que você entregou o dinheiro?
-O que ele vai fazer é de responsabilidade dele. Talvez compre bebida. Esse dinheiro fará um caminho. Sai da minha mão, vai para a dele. Depois pode ir ao dono de algum bar. E do dono de um bar para um mercado. Do mercado para o salário de uma funcionária de limpeza...
-Mas pode sair de sua mão e ir para a mão de um traficante. E dele para a mão de um vendedor de armas. E com a arma alguém pode morrer.
-Claro. Bem observado. Então vamos pensar assim, se ele consegue dinheiro ao pedir, ele não comete nenhum crime para conseguir, como furto ou roubo.
-Sim. Faz sentido, mas mesmo assim esse dinheiro pode ir para alguém que vai fazer algum mal.
-E o dono do restaurante? Você sabe se ele usa o dinheiro entregando apenas para pessoas boas e com boas intenções?
-Não sei...
-Sabe, uma vez eu estava no carro e um cara me pediu o valor de uma passagem de ônibus para ir em um determinado lugar. Eu ofereci uma carona. Foi engraçado ver ele arranjando desculpas: - “...Não, veja bem, quero chegar lá sozinho...” – Falou, falou e falou sem responder nada. Eu dei o dinheiro e ri depois que ele saiu. É algo interessante, meu jovem! Tem pessoas que não querem trabalhar. Outras estão viciadas e sua vida é voltada para seu vício. Escravos de suas vontades. Um da preguiça, outro do vício. E existe quem está passando apenas por um momento difícil, ou tem algum problema de saúde, principalmente mental. Não podemos esquecer disso. Na dúvida, eu ajudo quando me parece correto. Assim como nem sempre sei onde meu dinheiro tem seu fim na mão de um pedinte, não sei o fim que terá na mão do dono de alguma loja. Tem dono de loja que financia o trafico e a prostituição.
-Pelo menos é um crime a menos, isso é verdade... Mas não nos deixa culpados por eles usarem para alimentar algum vício?
-Se não der a esmola, você será culpado por algum crime que ele cometer?
-Pois é.
Terminaram o almoço. Voltaram ao trabalho e em meio a tantas pessoas que passavam estavam em solidão. O jovem refletia. Quando acabou o dia, ainda faltava metade do serviço a ser feito. Ficou para o amanhã. Quando começaram a guardar as ferramentas no carro, um pedinte se aproximou. O senhor e o jovem o dispensaram sem dar nada, já haviam dado muita esmola para um único dia. O senhor falou:
-Viu? No final da tarde teríamos surpresas! Agora que não há mais risco de trabalhar, os que não querem podem nos pedir esmolas hahaha.
O jovem concordou rindo balançando a cabeça.
Partiram para suas casas. Descansaram. Naquela noite, o jovem sonhou que tinha um saco enorme cheio de moedas e distribuía uma moeda para cada andarilho que passava. Esse que recebia, chegava em uma praça e contava que havia um jovem dando moedas. Então, vários andarilhos chegavam até ele pedindo moedas, cada vez em maior número. E de repente ele era engolido por uma multidão mal vestida, com cheiro duvidoso e meio manca. Colocavam ele nos ombros e o jogavam de um lado para o outro. Quando acabaram as moedas, soltaram ele bem no centro da aglomeração, o fazendo cair com a bunda no chão. Todos foram embora, cada um por um caminho. Ele, ao levantar, estava isolado, sozinho em meio a uma praça completamente branca e vazia. Havia uma moeda no chão. Quando ele a pegou apareceu um mendigo. Ele guardou a moeda no bolso. Irritado, o mendigo se afastava enquanto o xingava. Enfim só. Com sua moeda.
No dia seguinte, contou seu sonho ao velho jardineiro. Esse achou graça, disse:
-É assim mesmo meu jovem, acabou o dinheiro vai se embora os interesseiros...
Começaram seu trabalho e, como no dia anterior, nada de pedintes. Na hora do almoço o velho disse:
-Compraremos hoje marmitas e comeremos aqui!
O jovem achou estranho, mas concordou. Sentaram perto de uma parede da loja e começaram a comer. Ninguem parou para pedir nada. O jovem falou:
-Que interessante! Nenhum pedinte veio até nós!
-Claro, quem come marmita no chão parece não ter dinheiro. Sem falar que podemos trocar comida por trabalho... Acabamos por afastar quem não quer trabalhar e quem tem seus vícios. Fique tranquilo, no final da tarde teremos pedintes como sempre meu jovem.
-Lembrei de uma vez que comprei um refrigerante e um salgadinho para um rapaz. Ele saiu com a sacola sem comer. Deve ter ido trocar por algo que ele queria. Às vezes, mesmo sem perceber, ajudamos os outros nos vícios. Não seria mais correto doar apenas a quem realmente entrega comida, roupas, dignidade para essas pessoas?
-Claro, mas os vícios não deixarão de existir, como eles serão saciados? No fundo, meu jovem, não tenho essa resposta.
Voltaram ao trabalho. O jovem observou o senhorzinho chamar uma moça maltrapilha, que andava com um carrinho de mercado na rua. Ele deu algumas moedas a ela.
-A melhor doação é feita antes de alguém pedir - Disse o senhor- Assim a pessoa não se envergonha ao receber o que precisa.
A tarde chegou com um céu rosado. Sem perceber, em meio a tantos pensamentos o trabalho foi feito. E com calma eles haviam plantado várias flores. O jovem admirava o serviço concluído. Estava amarelamente lindo. O senhor deixou o jovem em sua casa e comentou ao se despedir:
-Vi que nesses dois dias aprendeu algo novo. Mas o que irá fazer com isso? Não é o que importa, saber como será usado o que se recebe e o que se doa?
O jovem se despediu e permaneceu parado na frente de sua casa pensando. O que se recebe ao pedir, sem pedir, dinheiro, conhecimento? Para que usá-lo? A quem entrega-lo? Como vão usá-lo? Foi quando uma vizinha passou por ele conversando com outra:
-Você viu o novo canteiro de girassóis naquela loja do centro?
-Vi sim, é bonito. Mais pra que gastar tanto com flor? Que exagero!
E em uma rua se via lindos girassóis.