TOCANDO SONHOS

Genaro estava sozinho sentado na mureta da varanda. O dia estava escuro e quente e ele ouvia uma linda melodia, vindo de não muito longe. Parecia um solo de sanfona, melódico e sinuoso, somando-se a um som como acordes de violão ao fundo. Não era a primeira vez que uma música chamava a sua atenção. Uma vez ou outra, ele se deliciava ouvindo algum tipo de sinfonia, mas estranhava que ninguém mais falasse sobre o assunto.

Não se lembrava de ninguém com instrumentos na região, às vezes achava que esses sons eram coisas da sua cabeça, mas apreciava e ansiava por esses concertos. Genaro, de alguma forma, se apegou à música. E estava determinado. Queria aprender a tocar um instrumento. Passou alguns dias pensando em como proceder para aprender a tocar.

Procurou o sr. Silvestre, homem conceituado na região e conhecedor de muitos assuntos. Ele era procurado para dar opiniões em assuntos como plantação, matrimônio, saúde, atualidades e muitos outros. O sr. Silvestre, depois de ouvir sobre as ambições de Genaro, não perdeu tempo. Foi logo dizendo que, se ele quisesse mesmo tocar, teria que ir à meia-noite no cemitério local, abrir a tramela do portão, entrar no cemitério e esperar por alguém para saber como fazer. Parecia estranho. Genaro a princípio assustou-se com aquela receita, mas, como ele estava determinado, encheu-se de coragem, escolheu a noite que lhe parecia propícia e rumou para o cemitério.

Genaro chegou ao cemitério assustado e trêmulo. Quando ele botou a mão no buraco da parede para alcançar a tramela, uma diminuta lagartixa entrou pela manga de sua camisa e começou a correr pelo braço e peito dele. Depois de muitos pulos e gritos, ele conseguiu se acalmar o suficiente para perceber que alguma coisa não estava certa. Ele não entendia o que estava acontecendo naquele momento e começou a falar em voz alta: — Eu quero aprender a tocar. Eu quero aprender a tocar. Como se aquele sinistro acontecimento fizesse parte de algum ritual ou iniciação. Depois disso, ele atravessou o cemitério, andando apressadamente. Como nada mais aconteceu, foi embora dali o mais rápido que pôde.

Começou a procurar pelos raros músicos que se apresentavam na região. Sempre atento às feiras ou festas tradicionais para ver se encontrava algum mestre. Certo dia, ele ouviu os pífanos e o zabumbeiro na pracinha da vila e correu para lá, encontrando uma das mais belas apresentações culturais que o interior do sertão conhece. Ouviu cantadores repentistas que trocavam versos no pátio da igrejinha e os benditos que eram entoados nos encontros religiosos, o que lhe agradou muito.

Ouviu falar que os músicos de um cantor de baião e forró lá do Pernambuco, que havia ido embora para o Rio de Janeiro, não teriam acompanhado o cantor na viagem e estariam tocando na região, para ganhar o sustento do dia-a-dia.

Foi lá na praça da cidade para ouvir os músicos tocarem. Tinha sanfona, violão, zabumba e triângulo. Aquela foi uma bela apresentação com músicas instrumentais e músicas cantadas. Depois do espetáculo, Genaro aproximou-se dos músicos e perguntou ao moço do violão:

— Quer me vender seu violão? Eu estou disposto a pagar o preço.

— Vendo não! — Disse o rapaz. — Este eu tenho muito apreço. “Foi Seu Luiz que trouxe do São Paulo pra mim”.

— “Homi, venda pra mim!”. Insistiu Genaro.

— Posso não! — Respondeu o moço. — Tenho outra festa para tocar amanhã.

—“Apôis eu dobro o preço.” Atiçou Genaro.

O rapaz pensou, calculou, dobrou e depois disse:

— “Então o custo é trinta conto.”

Genaro arregalou os olhos. Ele sabia que não tinha aquela quantia de dinheiro em mãos, mas, pensando nos benefícios, firmou-se em seu desejo e respondeu para o moço:

— É meu! Amanhã, nas primeiras horas do dia, estarei aqui para pegar o violão.

Aquele restante de tarde, Genaro passou juntando economias e negociando seus porcos e galinhas para ajuntar o montante para o pagamento. No outro dia, bem cedo, Genaro aguardava ansioso na praça quando o moço apareceu com o lindo violão em suas mãos. Depois do negócio realizado, Genaro voltou para casa carregando nos braços o seu troféu. Já em casa, permaneceu o restante do dia soando as cordas e procurando uma forma de tocar as músicas que ele conhecia.

Nos dias seguintes, alguns colaboradores apareceram para compartilhar a novidade com o jovem musicista. Veio um amigo de longe e tocou o violão, agradando aos ouvintes presentes. Um primo seu que veio da capital tocou o violão, elogiando a sonoridade do instrumento. Até o sr. Silvestre apareceu para dedilhar algumas notas. Genaro sentava-se em uma cadeira ou na cama com o violão e tangia suas cordas, procurando o som de um acorde ou melodia que o agradasse. Ele até conseguiu tirar alguns sonidos do violão, e notou que a cada dia estreitava a sua intimidade com o instrumento. Todavia, brotou nos seus sentidos um pensamento de que ele não seria o músico que almejava em seus sonhos.

E apesar de não ter alcançado a excelência desejada, Genaro ainda ouvia, em alguns momentos do dia, lindas melodias e sofisticados encadeamentos harmônicos, que lhe embalavam o pensamento. Ali por perto, não muito distante, quase ao seu toque.