HÁ PODRIDÃO NO JARDIM

Na grande casa dos Capuleto, a aparência de normalidade era uma fachada cuidadosamente construída. O patriarca, um homem de origem desconhecida e temperamento rude, dominava o ambiente com sua presença austera. Sua esposa, a matriarca, era o oposto: doce e serena, ela tentava suavizar a dureza do lar, mas suas tentativas frequentemente se perdiam no eco do silêncio opressor que o marido impunha.

Os oito filhos da família eram um reflexo dessa dualidade. Quatro deles já haviam se afastado, buscando liberdade em casamentos ou fugas, mas o que restava na casa era um microcosmo de tensões e segredos. Durante as reuniões familiares, enquanto sorrisos ensaiados iluminavam os rostos, o patriarca permanecia isolado, observando com um olhar que parecia penetrar nas almas de cada um dos presentes. Os filhos, conscientes da presença opressora do pai, se agrupavam em pequenos clãs, formando laços que variavam entre carinho e desconfiança.

No entanto, à medida que a noite se aprofundava, as sombras na casa se tornavam mais densas. Havia uma jovem em particular, uma das filhas que ainda habitavam aquele espaço, que carregava um peso insuportável. Enquanto todos pareciam alheios, ela se contorcia em seu quarto, sufocada pelo terror que a acompanhava. À calada da noite, quando o silêncio reinava e a lua lançava sua luz pálida, a porta se abria lentamente. A mão indesejada a silenciava, enquanto a violência se impunha como um cálice amargo e cruel.

No dia seguinte, a jovem caminhava entre os sorrisos, suas lágrimas invisíveis se misturando ao riso forçado dos familiares. Os parentes, com suas conjecturas superficiais, mal percebiam o abismo que se abria entre a aparência e a realidade. Alguns sabiam, mas faziam vista grossa. O patriarca, com seu poder e influência, havia transformado o silêncio em uma moeda de troca, subornando com presentes ou ameaças sutis aqueles que poderiam levantar a voz.

A matriarca, por sua vez, era uma figura trágica, dopada à noite para garantir que o monstro que era seu esposo pudesse agir sem obstáculos. O que poucos sabiam era que ela também havia sido uma jovem, e que, em algum momento de sua vida, havia sido silenciada da mesma forma. O ciclo de abuso e conivência perpetuava-se, e cada nova vítima, ao se calar, tornava-se parte de uma teia complexa de segredos obscuros.

Várias almas jovens estavam morrendo lentamente em seu espírito, sentindo-se impotentes e sozinhas. Aborto e remédios se tornaram a norma para aquelas que tentavam escapar da dor. Uma das filhas, em desespero, casou-se para evitar o escândalo, mas o peso da vergonha e do medo continuava a acompanhá-la, como uma sombra indesejada.

Na casa dos Capuleto, a verdade permanecia enterrada sob camadas de sorrisos ensaiados e segredos bem guardados. E dentro daquela grande família, cada membro carregava a responsabilidade de um silêncio que, embora confortável, pesava mais do que poderiam imaginar. O que parecia ser uma união familiar era, na verdade, uma prisão psicológica, onde os monstros não eram apenas aqueles que agiam, mas também os que escolhiam não agir.