Chá da meia-noite

Primeiro, o asseio, pensa Arthur. Pega a navalha, a baciinha com espuma, espelhinho espetado na parede, faz a barba e passa com gosto a mão pela cara lisinha. Em seguida, o banho de bacia. Troca de roupa, mete o terno branquinho, tá bonito que nem artista da Metro. Pega o vidrinho de Leite de Rosas e se bréia todo.

- Zé, tô pronto.

Zé acabou de chegar do açougue, troca rapidamente de roupa, depois de um meio banho de bacia. Antes de sair, despeja Leite de Rosas nos sovacos.

O trem apita avisando a chegada. Os viajantes têm um pedacinho de ladeira pra descer e meia hora de tempo pra embarcar. Olegário, o irmão mais novo, leva a maletinha barata com a roupa de Arthur.

- Zé, tá na hora, Arthur insiste.

Responde já vai, deixa um recado com a mulher:

- Lembra o Olegário de abrir o açougue amanhã. Vai ser patrão por um dia. Só chego depois de amanhã de madrugada.

Na estação, Artur já se encarrega da maletinha e das mudas de roupa. Não sabe muito bem pra onde vai, mas tá bonitinho, limpinho, adora viajar. Gosta mais de trem - jardineira nem tanto - tem muita poeira, a roupa chega toda suja e amassada...

Pelo caminho, Arthur vai na janela, o trem apita e deixa Pitangui para trás. Entre cidades e povoados, muita erva cidreira nas margens da ferrovia, nas curvas o vento cospe fagulhas nos vagões. Em Belo Horizonte, fazem a baldiação, Barbacena é o ponto final.

Chegaram. Zé responde às perguntas, o secretário preenche. Tem muita gente pra ser atendida. Arthur, inquieto, conversa com um, conversa com outro, conta que Zé tá muito custoso, a família vai interná-lo...

Um negro parrudo da segurança brinca com o cassetete e ouve com atenção o eloquente forasteiro:

- Olha lá, ele parece normal, entende tudo. Mas quando dá a louca nele... Sabe, já tem uma irmã nossa aqui...

Na hora da despedida, Arthur empurra o Zé, pisca pro segurança parrudo e sussurra:

- Tá cada vez pior. Quem vê, acha que tá normal. Mas vive com ele uns dias procê ver... É violento, capaz até de precisar do chá da meia-noite...

O guarda parrudo não perde tempo, agarra o Zé numa chave de braço, pisca pro Arthur, é o mesmo que dizer "pode ir, deixa comigo". Arthur desaparece, Zé fica no hospício, esperneando e gritando:

- Esse aí é que veio se internar, eu só vim trazer, eu só vim trazer... Segura ele, segura ele... Eu só vim trazer, só vim trazer...