RACISMO ESTRUTURAL
Benedito cresceu em São Luís, no bairro do Anjo da Guarda, onde a realidade era marcada por desafios e limitações. Filho de uma empregada doméstica e de um borracheiro, desde cedo aprendeu o valor do trabalho duro e da resiliência. Apesar das dificuldades financeiras, seus pais sempre o incentivaram a estudar, a acreditar que a educação poderia ser a chave para um futuro diferente. Com muito esforço, Benedito conseguiu uma bolsa e se formou em Direito, tornando-se promotor de justiça.
Ao subir na vida, Benedito se deparou com uma nova realidade que, paradoxalmente, não se diferenciava tanto da antiga. Embora tivesse conquistado um cargo respeitável na sociedade, a cor de sua pele ainda o colocava em situações de discriminação. Ele não gostava de ostentar e preferia se vestir de maneira simples, mas isso não impediu que a sociedade o visse através de lentes distorcidas.
Certa manhã, enquanto caminhava pela praça Deodoro, um grupo de jovens brancos começou a gritar: "negro urubu, negro urubu". Aquelas palavras ecoaram em sua mente, trazendo à tona memórias de uma infância marcada pelo preconceito. Em outra ocasião, ao chegar em um hotel à beira-mar em Natal, um taxista quase o espancou, convencido de que Benedito era um cheirador de cola. O olhar de desprezo e a agressividade do homem eram um lembrete cruel de que, para algumas pessoas, a aparência falava mais alto que o caráter.
Em uma viagem, ao descer de um ônibus após um translado de avião, o motorista olhou para ele e disparou: "Vai logo carregando essas malas!" A insinuação de que ele era um carregador não o surpreendeu, mas a dor da desumanização o atingiu como um soco no estômago. Até mesmo em um hospital, onde deveria ser tratado com dignidade, Benedito foi confundido. Um enfermeiro, ao ver um casal — um homem branco e uma mulher negra — assumiu que ele era o marido da mulher, tirando seu sangue sem questionar.
Essas experiências poderiam ter sido motivações para ações legais, mas Benedito optou por não processar ninguém. Ele via as reações das pessoas quando descobriam sua verdadeira identidade, notando o pânico em seus rostos, a culpa se espalhando em seus olhares. Para ele, isso era um aprendizado, uma oportunidade de reflexão. Ele entendia que o preconceito não era uma escolha consciente, mas um produto de uma sociedade que moldava mentes desde a infância — a educação parental, a influência dos professores, a comunidade e a mídia.
As pessoas que o discriminavam eram, muitas vezes, do mesmo grupo social do qual ele originou. Ele não havia enfrentado o preconceito da elite, e os ataques que sofria vinham de pessoas que, como ele, lutavam para sobreviver em um mundo desigual. Essa compreensão o impediu de buscar vingança. Em vez disso, Benedito escolheu a empatia. Ele acreditava que cada ato de discriminação era um reflexo de uma falha maior na sociedade, e não uma questão pessoal.
Assim, ele caminhava, não como um homem amargurado, mas como um catalisador de mudanças. Benedito se tornou um defensor dos direitos humanos, utilizando sua posição para educar e transformar mentalidades. Ele entendia que a verdadeira justiça não se encontrava apenas nas salas de tribunal, mas nas conversas que poderiam surgir a partir de cada encontro, cada olhar e cada palavra proferida. E, assim, a vida de Benedito se tornava um testemunho de resistência e esperança, um convite para que outros também olhassem além das aparências.