FILHOS DA IRÁ
Michael sempre foi um jovem sonhador, mas a realidade da periferia do Rio de Janeiro moldou suas ambições de formas que ele nunca poderia imaginar. Desde pequeno, ele cresceu observando seus pais se desdobrando para sustentar uma casa cheia de filhos. Com sete irmãos, cada um lutando para se destacar em meio à escassez, Michael sentia o peso da responsabilidade e a pressão da sobrevivência.
A escola era o seu refúgio, mas também um espelho cruel da desigualdade. Enquanto ele se esforçava para estudar, via outros jovens, com roupas de marca e tênis caros, cercados por garotas e risadas. Eram os "burguesinhos", como costumava ouvi-los serem chamados, que desprezavam a educação e viviam uma vida de ostentação. A inveja e a admiração se misturavam dentro dele, criando um desejo ardente de pertencer àquele mundo.
Certa noite, numa festa improvisada, Michael viu a oportunidade de se integrar a esse grupo. Ele começou a vestir roupas emprestadas, a beber e a fumar, abandonando os estudos e se afastando da família. O ambiente familiar, antes acolhedor, tornou-se um fardo. A cada dia, ele se afastava mais, mergulhando em um mundo de crime e rebeldia.
A transição foi rápida. O que começou como pequenos furtos evoluiu para assaltos planejados. Michael se via como um Robin Hood moderno, desafiando a burguesia que tanto o oprimia. A cada ação, ele enviava dinheiro para casa, fazendo sua mãe acreditar que estava trabalhando duro em algum lugar distante. Mas, na verdade, ele já era um foragido, temido na periferia.
A tragédia bateu à sua porta quando a polícia invadiu sua casa, confundindo seu irmão mais novo com ele. O desespero e a dor tomaram conta do lar, e seu pai, em um ato de desespero e raiva, o excomungou. Michael, agora consumido pelo desejo de vingança, se lançou em uma espiral de violência, realizando assaltos audaciosos e enfrentando a polícia.
A adrenalina o impulsionava, mas a culpa o perseguiu. Em um momento de fraqueza, ele encontrou um policial à paisana em seu bairro. A mente turva pela raiva o levou a um ato covarde: disparou e matou o homem. Essa ação o fez sentir como se tivesse vingado seu irmão, mas a realidade era cruel. A morte do policial desencadeou uma onda de represálias, resultando na morte de vários de seus comparsas e na destruição da casa de seus pais.
Quando a poeira assentou, Michael decidiu retornar. Mas a vida de crime o seguia, e ele estava sempre à espreita. Uma noite, enquanto bebia em um bar, homens encapuzados invadiram o local e abriram fogo. Michael foi atingido, mas não antes de três inocentes, incluindo uma mulher grávida, perderem a vida.
A dor e a culpa o levaram a buscar redenção. Entrou em uma igreja e, em poucos meses, tornou-se um novo homem. Ele se casou e encontrou um propósito como pastor, compartilhando seu testemunho com outros. Mas o passado é um fantasma persistente. Certa noite, ao entrar em casa, um motoqueiro apareceu e disparou três vezes contra ele. Michael caiu, e com ele, as esperanças de um futuro melhor.
Naquela mesma noite, sua esposa, sem saber, começou a sentir os primeiros sinais de gravidez. A vida de Michael, marcada por escolhas difíceis e uma busca incessante por pertencimento, chegava ao fim, deixando um legado de dor e arrependimento. A periferia, mais uma vez, se via envolta em tragédias, enquanto as esperanças de um novo começo se desvaneciam na escuridão.