FIM DA INOCÊNCIA

Inara cresceu em uma palafita às margens de um braço do Rio Amazonas, em Breves, Pará. A vida na pequena comunidade ribeirinha moldou sua infância de maneira simples e humilde, cercada por uma família amorosa, mas com recursos limitados. Desde cedo, ela sonhava com um mundo diferente, repleto de glamour e oportunidades, inspirado pelas revistas de moda que folheava na casa de uma amiga. O desejo de estudar e migar para Belém, a capital do estado, pulsava em seu coração como um canto distante.

Um dia, a rotina monótona de Inara foi interrompida pela chegada de uma médica da capital, que veio para passar uma semana no hospital local. A jovem sentiu-se atraída pela figura da médica, que exalava uma aura de confiança e conhecimento. A amizade que se formou entre elas era delicada, mas cheia de promessas. A mãe de Inara, ao saber do sonho da filha, não hesitou em contar à médica sobre a vontade da jovem de estudar, de ir para a capital e ter um futuro melhor.

A médica, tocada pela história de Inara, ofereceu uma solução: ela poderia ficar em seu apartamento em Belém, em troca de pequenos serviços domésticos. Inara aceitou a proposta, vislumbrando a chance de mudar sua vida. No dia da partida, sua mãe lhe deu uma sacola com alguns itens simbólicos: caroços de cumaru, óleo de andiroba, mel, cascas de barbatimão e folha de pinho para gripe. As últimas recomendações foram ditas entre abraços apertados, enquanto a jovem embarcava na balsa em direção ao desconhecido.

Ao chegar em Belém, Inara ficou maravilhada com a cidade. Os prédios altos, as luzes brilhantes, a agitação das ruas a deixavam sem fôlego. No apartamento da médica, ela foi recebida com cordialidade, mas logo percebeu que a vida na capital não seria tão fácil quanto sonhara. As tarefas domésticas que pareciam simples no início tornaram-se um fardo. Lavar, passar, cozinhar e fazer compras se tornaram sua rotina, muitas vezes sem descanso.

Os meses se transformaram em anos, e Inara se viu presa em uma espiral de trabalho árduo, sem tempo para estudar ou retornar a Breves. A médica e seu marido controlavam sua comunicação com a família, alegando que Inara estava ocupada com cursos e estudos. Assim, dois anos se passaram, e a jovem que chegou à capital com 13 anos agora tinha 15, mas a inocência de sua juventude estava se dissipando.

Um dia, a situação se agravou quando o marido da médica a abordou de maneira inapropriada. Inara, já familiarizada com a dinâmica de poder e manipulação, decidiu contar à patroa, mas a resposta foi devastadora. A médica, em vez de proteger a jovem, a devolveu para o interior, alegando que Inara estava se oferecendo a seu marido. O golpe foi duro e humilhante, mas a jovem não tinha escolha a não ser retornar a Breves.

Três meses depois, Inara descobriu que estava grávida. A notícia trouxe um misto de medo e desespero. Seus pais, temerosos do que a sociedade poderia pensar, decidiram enviá-la para a casa de uma tia em Almeirim, onde ela poderia ter o filho em segredo. O menino nasceu, e a família tentou lidar com a situação da melhor maneira possível. No entanto, a aparência da criança levantou suspeitas. Os murmúrios começaram: alguns diziam que o pai era um gringo que passara pela região em um navio.

A família, em sua busca por proteger a honra e apagar a culpa, abraçou essa narrativa, enquanto Inara lutava internamente com a dor de sua experiência. O sonho de uma nova vida tinha se desfeito, e a jovem se viu à sombra de suas próprias esperanças, refletindo sobre o que poderia ter sido e o que se tornara. A vida nas palafitas, marcada por dificuldades, agora era também um recomeço, mas com um peso que ela aprenderia a carregar.