SEM RAÍZES PARTE 3
Nos primeiros dias, semanas e meses após o acolhimento na casa da tia Raimunda, a vida dos irmãos parecia um conto de fadas. Após os anos de incerteza e luta nas ruas, eles finalmente experimentavam um lar, mesmo que temporário. A comida era farta e as noites, tranquilas. As crianças se adaptaram rapidamente, sentindo-se à vontade entre os novos rostos e a rotina da casa. As risadas e as brincadeiras preenchiam os espaços que antes eram marcados por lágrimas e solidão.
Tony, o mais velho, assumiu um papel de responsabilidade desde o início. Com a ajuda inicial da assistência social, ele começou a trabalhar no restaurante de Raimunda. Saía de casa às quatro da manhã, enquanto a cidade ainda dormia, e retornava às cinco da tarde. O trabalho não era fácil, mas ele se sentia orgulhoso por contribuir para o sustento dos irmãos. No entanto, a ajuda que antes fluía agora se tornava uma pressão crescente, conforme a realidade da nova vida se impunha. A casa de Raimunda, que antes parecia um abrigo seguro, agora carregava o peso de quatro bocas a mais para alimentar.
Além de trabalhar no restaurante, Tony também começou a ajudar seu tio Osvaldo como pedreiro. Com um pouco de experiência adquirida na FEBEM, ele se tornava uma mão de obra necessária, embora fosse gratuito. Osvaldo, por sua vez, era um homem que lutava contra seus próprios demônios. O vício em álcool o tornava uma sombra do que poderia ser, e a responsabilidade de sustentar a família recaía sobre Raimunda e agora sobre Tony.
As irmãs de Tony, embora acolhidas, não tinham a mesma sorte. Elas ficavam em casa, muitas vezes ajudando nas tarefas domésticas ou indo para a casa de outras tias para fazer faxinas e trabalhos braçais. A educação que deveria ser prioridade se tornava um sonho distante, enquanto a luta pela sobrevivência se tornava cada vez mais real.
Conforme os anos passavam, o ambiente familiar começava a se desgastar. As filhas de Raimunda, que antes eram apenas duas, agora precisavam dividir tudo com os novos hóspedes. A escassez de recursos e a convivência forçada geravam conflitos. O que antes era uma casa cheia de risos agora era pontuado por discussões e desentendimentos, à medida que as tensões aumentavam.
Foi então que, após dez anos de ausência, o pai de Tony e dos irmãos reapareceu. Ele havia estado no estrangeiro, ganhando dinheiro, mas também gastando-o com mulheres e bebida. Quando entrou na casa, sua presença provocou uma mistura de sentimentos. Os filhos, atônitos, não sabiam como reagir. Os mais novos não se lembravam dele, enquanto os mais velhos não tinham boas recordações. O reencontro foi marcado por lágrimas e confusões, mas logo se dissipou em um silêncio constrangedor.
O pai ficou por alguns meses, tentando se reconectar com os filhos e a família. Porém, sua presença era mais um fardo do que uma bênção. Ele logo decidiu que precisava retornar, levando consigo Tony, que, relutante, se viu mais uma vez dividido entre o dever familiar e a necessidade de cuidar de si mesmo. A despedida foi dolorosa; a irmã mais nova não aceitou bem a partida do irmão, sentindo que perderia seu apoio e companheiro.
Tony partiu, deixando para trás os irmãos e a vida que havia começado a construir. Ele se encontrou em um novo Estado, na região amazônica, com um homem que conhecia pouco e que não representava a segurança que sempre buscou. A tensão entre os irmãos se intensificou, agora marcada pela ausência de Tony, e a vida na casa de Raimunda continuava sua luta diária, repleta de desafios e incertezas.
Assim, a história de Tony e seus irmãos seguia um novo capítulo, entrelaçando sonhos e desilusões, onde a busca por um lar e um futuro melhor permanecia como uma constante em suas vidas. O conto de fadas parecia ter se desvanecido, deixando espaço para a realidade dura e crua da sobrevivência.