PESCARIA JAPONESA

PESCARIA JAPONESA

Autor Andrade Jorge

Em 1980 trabalhei numa empresa de origem japonesa, na cidade de Jundiaí, ela ficava no trevo da estrada Jundiaí à Itu, agora essa rodovia chama-se Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, foi o Bispo da Diocese de Jundiaí, (aliás quem me crismou, quando eu já tinha vinte e dois anos), do lado direito em direção à Itu ficava a Fantex Indústria Têxtil. Essa empresa infelizmente não existe mais, e atualmente mantemos um grupo no face book chamado “Ex-funcionários Fantex” e sempre que possível fazemos um encontro para matar a saudade.

Havia nesta empresa muitos descendentes de japoneses, e alguns vindo diretamente do Japão, em nível de diretoria, e o passatempo no intervalo de almoço era jogar tênis de mesa, e pescaria nos finais de semana. Numa dessas pescarias fui convidado a participar, isso depois de um bom tempo que estava na empresa.

Pois bem, fomos pescar num rio pra lá de Itatiba, quem conhecia o local era o Hiroshi, e na turma estavam Nelson, Antonio Vilson, Yukio, Katayose, Reinaldo, entre outros. O pessoal levou além da carne para fazer um churrasco na beira do rio, muita cerveja, cachaça, até um "barril de chopp", você já foi numa pescaria com um barril de chopp? Nós fomos. Tinha tudo para não dar certo.

Chegamos ao local, ficamos abrigados debaixo de um viaduto, se chovesse pelo menos não estaríamos expostos.

Descarrega a tralha toda, acomoda-se e cada um foi fazer o que estava com vontade, assim, alguns de nós, incluo-me, queríamos mesmo era iniciar a experimentação das cervejas e caninhas, diga-se encher a cara, contudo, havia os “caxias” que queriam pescar, afinal fomos ao rio pra que? e quem eram estes: Hiroshi, Yukio, Katayose, só japa. Lá foram os intrépidos pescadores rio abaixo. Escolheram um bom lugar longe do barulho da turma, vara e anzol n’água, porém o Nelson seguiu os caras, e lá estavam eles o ritual da pesca, inclusive fizeram a ceva dos peixes, e o arrojado Nelson subiu num morrinho, e como bom “amigo”, lançou um enorme cupinzeiro bem do lado onde iriam iniciar a pesca, pronto! os peixes que se aproximavam para morder a isca, foram tomar banho noutro rio. Ele jogou o cupinzeiro e se mandou, nem viram quem fez a maldade, mas xingaram. A orelha do Nelson, que aliás também é descendente de japonês, deve estar ardendo até hoje.

Voltando ao abrigo debaixo do viaduto, por volta da meia noite, todos devidamente “mocosados”, e “calibrados”, de repente começou o "Sermão da Montanha", no caso Sermão do Viaduto, e quem proferia o Sermão? O Profeta Andrade Jorge, eu, claro!!

E o Profeta dizia: Arrependei-vos, pois, o fim está próximo, vós que pecaram a vida toda, agora é a hora. E a pregação alongou-se. Uns davam risada, outros mandavam tomar caju, alguns mandavam calar a santa boca. Mas, como bom e calibrado Profeta continuei. Depois de algum tempo, o pessoal querendo me matar, resolvi desistir, mesmo porque o efeito da “mardita cana” começou a se fazer presente, atrapalhando a claridade das ideias, aí já era Jesus por Genésio.

A rapaziada foi se apagando, mas sempre tem aquele que acorda pra mijar, no caso era o Shigão, no escuro, sonolento, acho que ele pensou estar no banheiro de sua casa, sacou o “atrevido” e xoooo, e aquele líquido quente foi cair na cabeça de um desavisado, que dormia logo abaixo. Mais um falatório, filho disso, filho daquilo, mas ficou tudo bem, afinal todos amigos. Passado o episódio do xixi, mais um BO, entre a turma havia o Senhor Kishimoto, diretor que recentemente havia chegado do Japão, não falava nada em português, não devia estar acostumado dormir naquelas condições, de repente o homem rola, e quase foi parar dentro do rio. Mais um falatório, pega daqui, segura lá, puxa e pronto, levaram o homem para sua suíte.

No dia seguinte todos acordados, menos o Nelson, e aqueles que foram pescar, estavam retornando, pescaram a noite toda, se pegaram peixe até hoje ninguém sabe, não mostraram o samburá. Desconfia-se que só deram banho nas minhocas, e ganharam em troca picadas das muriçocas, com vergonha nada declararam, nem entrevista deram. Com o povo acordado, não sei quem, mas iniciou-se a trama de uma maldade, que consistiria em deixar bebum o Diretor do Japão, logo de manhã. Então, pegaram um litro de cachaça 51 (sem querer fazer propaganda) cada um com seu devido copo descartável, e pedimos para um descendente, que traduzisse a ele, que era costume aqui no Brasil, logo de manhã tomar cachaça (se bem que tem uns pinguços por aí que começam cedo, não era o nosso caso), assim todos encheram o respectivo copo, e "kampai" (kampai é uma saudação ao beber, aqui a gente fala “saúde”), quem bebia era só o coitado do diretor japonês, os outros fingiam que bebiam e jogavam a bebida fora. A moçada era pé de cana, mas logo às sete da matina...não dá né. Foram mais ou menos cinco rodadas, kampai pra cá, kampai pra lá. Convém dizer que o Nelson, que era o Gerente Geral da fábrica, ainda dormia, e quando acordou deparou com aquela cena. O Senhor Kishimoto totalmente embriagado, como diria um amigo, ele estava tudo “zuzo bem” e a rapaziada ria a valer. O Nelson ficou nervoso, e falou para rapaziada:

─ Eu sou o responsável pelo senhor Kishimoto, não pode acontecer uma coisa dessa com ele, e se o homem morre aqui de tanta cachaça?"

Ouvindo isso, eu que era o Chefe do Departamento de Pessoal, apoiei o Nelson dizendo:

─ Eu falei para vocês não fazer isso, mas não me ouviram, né, mas a moçada percebeu que eu estava dizendo aquilo de zueira. Eles escutaram tudo, rindo. No início contidamente, depois desbragadamente (e eu no meio). O Nelson vencido, não aguentou e rachou o cano de rir, disfarçava, mas ria.

Na hora de ir embora o homem ainda estava chapado, agora o problema era levanta-lo, nós estávamos barranco abaixo, e ele sem condição de subir, nós teríamos que levantá-lo, foi o que fizemos, com auxílio de uma corda. E o Nelson reclamava: "Vou perder meu emprego, pô!" Depois de muito empurra, segura, levanta, o senhor Kishimoto foi içado para a parte superior do barranco.

Todos acomodados nos carros, o diretor chapado falou uma ou duas palavras em japonês, e caiu de bode. Quando estava sóbrio a maioria não entendia nada, agora todo zuado, tropeçando nas palavras, até quem entendia o idioma nipônico não entendeu. Ele estava “zuzo bem” mesmo.

Na volta passamos por uma granja, que estava distribuindo pintinhos recém chocados, porque à época a ração estava cara demais, então os granjeiros doavam ou jogavam os pintinhos no rio, fiquei com duas caixas, o duro foi explicar para a mulher, que eu realmente tinha ido pescar. E ela perguntava se naquele rio estava dando pintinhos ao invés de peixe. E com uma agravante o bafo da cana. Tem coisas que é difícil de explicar pra mulher da gente. Entretanto, conseguimos voltar são e salvos, claro, quem dirigia não bebia.

Na segunda-feira o Nelson, devidamente investido no seu cargo de Gerente Geral, não estava com cara de bons amigos, mas aí já é outra estória, conto depois. O senhor Kishimoto ria muito na fábrica, principalmente quando encontrava com um funcionário que esteve na pescaria (talvez, pensando: que cachaçada, né?). Eita! japonês bom.

Não durou muito chamaram-no de volta ao Japão. Será que a estória da pescaria chegou até lá? Acho que não, mas também ele não fez nada de mal, maldosos fomos nós.

Peixe que é bom, nadica de nada. Não me lembro bem, mas acho que nunca mais teve outra pescaria, naqueles moldes.

FIM

Escrita em 02/10/2019.

Reescrita em 24/03/2020