SEM RAÍZES PARTE 2

Na confusa e vibrante capital do Maranhão, São Luís, Clara encontrou uma nova parada em sua interminável jornada. A Praça Deodoro, com seu movimento constante de pessoas, se tornou o palco de sua vida temporária. Ali, entre artistas de rua, vendedores ambulantes e o cheiro dos alimentos que se misturava ao ar quente e úmido, ela encontrou um espaço para se instalar com seus filhos. Mas, como em todas as suas paradas anteriores, essa também era uma ilusão de estabilidade.

Os dias se passavam com um ritmo monótono, mas cheio de desafios. Clara cozinhava em panelas pretas sobre pequenas fogueiras, utilizando os restos de alimentos que conseguia retirar do lixo ao redor da praça. As crianças, sem banho e sem cuidados básicos, eram observadas por transeuntes que sentiam uma mistura de compaixão e repulsa. O olhar de muitos refletia a dor da realidade que se desdobrava diante deles. A praça, em sua beleza e movimento, ocultava a crueldade da vida de uma andarilha e seus filhos.

Com o passar do tempo, a situação de Clara não passou despercebida. A assistência social foi alertada, e uma equipe se dirigiu à praça para investigar. Ao encontrarem Clara, perceberam que ela carregava não apenas suas trouxas, mas também um distúrbio mental que a tornava incapaz de cuidar adequadamente de suas crianças. O ciclo de sua jornada parecia ser um reflexo de sua mente perdida, arrastando suas crias em um caminho sem fim.

Foi então que o conselho tutelar e a Vara da Infância e Juventude foram acionados. A equipe chegou à praça e, após uma breve conversa, tomou a difícil decisão de separar os filhos de Clara. Os meninos foram encaminhados para a FEBEM, destinada apenas para meninos, enquanto as meninas foram levadas para outra unidade, na região do Pão de Açúcar. A separação foi dolorosa, um rasgar no tecido da família que, por tantas vezes, havia enfrentado o mundo unida. As crianças, agora sob a custódia do Estado, sentiam a dor da perda da mãe e da liberdade.

Na FEBEM, o cenário era diferente, e muitas vezes mais violento. Os meninos e meninas se depararam com outros jovens que carregavam histórias de vida e crimes que pareciam distantes da sua própria realidade, mas que, de alguma forma, se entrelaçavam. O irmão mais velho de Clara, determinado a encontrar um propósito, começou a trabalhar com um monitor da instituição, um pedreiro que era irmão da diretora da FEBEM. Com isso, ele ganhou um pouco mais de liberdade, um resquício de controle em uma vida que parecia ter sido subtraída.

Em um dia qualquer, ao voltar da sua jornada de trabalho, ele se deparou com uma figura familiar dentro do ônibus. Era sua tia, que não via há muito tempo. Chamou-a pelo nome e, ao olhar para ele, a expressão de reconhecimento passou por seu rosto, mas a confusão ainda pairava. Quando ele se identificou, a emoção tomou conta dela, e as palavras começaram a fluir. Conversaram rapidamente, mas foi o suficiente para que a saudade se manifestasse em lágrimas. Ao descer do ônibus, sua tia, afetada pela intensidade do reencontro, não conseguia conter o choro, deixando as pessoas ao redor intrigadas.

A tia, então, decidiu retirar os meninos da FEBEM, proporcionando a eles um lar temporário sob seu teto. Era uma oportunidade de recomeço, mesmo que pequena. Clara, por outro lado, continuou sua jornada solitária pelas estradas de São Luís e além, como uma sombra que se afastava lentamente. Aquela foi uma das últimas vezes que seus filhos tiveram contato com a mãe, e a dor da separação se misturava à esperança de um futuro diferente.

Enquanto Clara seguia seu caminho, as crianças começaram a vislumbrar um mundo novo, repleto de desafios, mas também de possibilidades. A vida na casa da tia proporcionava uma nova perspectiva, ainda que carregasse as cicatrizes de um passado doloroso. E, embora a jornada de Clara parecesse interminável, a história de suas crianças estava apenas começando a ser reescrita.