O enterro do João - parte 2

Serenado o quadro sepulcral, a viúva acocorada no chão tentou um protagonismo de virtude. Apreendeu o mijão pela mão enlameada de urina e terra, e ordenou que trancasse o calção. O endiabrado merecia uns cocorotes por ter acanalhado o enterro do pai. A mãe entretanto, parodiando uma decência, tirou uma precata do pé e colidiu duas vezes o assoalho das costas do desventurado, objetivando aprazimento do aglomerado.

E assim foi que o menino verteu um choro carpido, bem aquiescido pela agregação. Consumados os encargos, o povo pulverizou, cada um num rumo. A família do João, ainda se benzeu no esborrifamento do padre: mãe, menino mijão, filho mais velho e moça chorosa. O moço do terno branco, que já estava amarronzado pela pulverulência, não arredava de perto da moça lamurienta, fingindo uma franqueza de consolo, mas com intenções de estreiteza.

Desempenhado o oficial da defunção, o filho mais velho, que ainda não obtivera o possuimento da calamidade, pegou o irmão pequeno nos braços e rompeu na frente para não ser visto carpir pelo pai. A mãe procedia por detrás. E, no mais alongado, o gaiato do terno branco incluia a moça bonita em seus amparos pilantrescos.

Já na casa do morto, o banho requisitou os vivos. Sem café pra visita nenhuma, a mãe promoveu de correr com o chupa-sangue que já conchegava sua menina.

Banhados na ordem de sujidade, deu-se o ensejo de o cansaço ribuçar no total. Ninguém nem mais chorava, excetuado o infante que bufava de uma fome canina. Requentada a comida de ontem que misturaram por riba de meia dúzia de ovos, o mexido foi balizado em conformidade com o arrazoado do apetite.

Mal se completaram daquela glutonaria, ainda no entojo da soberba, foram procurar desocupação no leito, para remediar a extenuação. É no perigo da cheiúra que está o adormecimento.

Ninguém não mais morreria naquela noite. Mas o filho, na diligência dos invisíveis pela apatia, havia se regrado da examinação do morto. E na conjuntura do desligamento do pai, era agora que desendividaria do repouso, por conta dos raciocínios dos quais se esquivara o dia inteiro: “Morto sua?” “ Morto treme?”

Seu pai suava. Seu pai tremia, no ataúde. E sentiu uma emboleira na boca do estômago. Naquela atormentação só mapeava que o pai ainda residia no corpo. E agora? Redundava na ocasião de socorrer o morto-vivo, mas não via aptidão naquela empreita.

Primeira noite, o sono não lhe conseguiu. Segunda noite, não foi obtido também. Permaneceu dias naquela amofinação, que se o pai não tivesse morrido, morreu de especular a valência.

Falido na contingência de ressuscitar o morto, granjeou êxito no esticamento do próprio corpo para enfim, pernoitar.

Naquela encantação morfética, seu espírito arrojou de fazer visitações. Voejou sobre a igreja da cidade, evoluiu pela praça ensombrada e abarrotada de maus elementos, até que chegou ao cemitério. Sem governo da própria deliberação, pousou perto do moimento do pai, que agora estava irrevogavelmente morto. Intuiu de se avizinhar e no abeiramento avistou o homem acocorado ao lado do túmulo. Anuiu ser o pai:

- Pai, o que o senhor tá fazendo aí esquivado do caixão?

O extinto homem - extinto na terra - respondeu:

- Tô esperando chegar minha hora. Ocês me enterraram antes...