O HOMEM COM CHAPÉU DE PALHA

A fazenda do Sr. Adamastor Bueno era um daqueles lugares tão difíceis de se chegar, que ele quase nunca recebia visitas. Mas não precisa sentir pena, atento leitor. A solidão sempre foi uma amiga querida desse pacato fazendeiro. Dono de algumas cabeças de gado, viúvo e sem filhos, Adamastor Bueno vivia em sua casa contando somente com a companhia de seus criados. João Carlos, seu ajudante mais próximo e prestativo, tinha uma casinha bem próxima à sede, coisa de uns oitocentos metros da casa grande. Mas acontece que o sogro de João, já muito idoso, acabou acamado depois de contrair tuberculose. Como o homem não aceitou sair de sua casa para receber os devidos cuidados de sua filha e de seu genro, Marieta, esposa de João, decidiu ficar na casa do pai até ele se recuperar totalmente.

Adamastor, depois de voltar da cidade, onde foi resolver assuntos no banco, trouxe todos os remédios necessários para tratar a doença do pobre homem. Muito grato pela gentileza do patrão, João decidiu levar os remédios do sogro após terminar o seu serviço, assim, poderia também dar um abraço na esposa que já estava fora há 3 dias. João sempre voltava para casa por volta das quatro da tarde, porém, justo naquela tarde de 31 de outubro, uma vaca resolveu parir. Não bastasse isso, o parto foi um dos mais difíceis que João já presenciou:

— Bem que eu imaginei que essa vaca era muito pequena pra ter uma cria daquele boi enorme, olha só o sofrimento dessa pobre criatura, por pouco o bezerro não morre antes de sair da barriga dela. Já dá pra ver que esse vai ser um boi tão grande e vistoso quanto o pai. — Dizia o homem para si mesmo ao conseguir, finalmente, retirar o filhote da barriga da mãe.

— Minha Nossa Senhora, nem vi o tempo passando. — Lamentou João ao se dar conta de que o sol já estava se pondo.

A casa do sogro de João ficava a aproximadamente 6 quilômetros de distância, sendo 2 quilômetros só para sair da fazenda e chegar na rodovia, depois eram mais 3 quilômetros em direção norte pelo asfalto e mais 1 quilômetro adentro em outra estrada de terra. Esse era o caminho mais seguro e demorado, mas se cortasse caminho pelo matagal, levaria quase a metade do tempo para chegar ao seu destino. João, muito cauteloso, sempre optava pelo caminho mais longo, até porque não é seguro se meter no meio da mata sozinho com um cavalo. Nesse dia, porém, com saudade da esposa e temendo pela saúde do sogro, ele decidiu escolher o atalho.

A lua já estava alta no céu quando João Carlos se deu conta de que estava perdido. A trilha que ele estava seguindo há mais de 1 hora, bifurcava logo à frente. Bem no centro da divisão da estrada havia uma árvore frondosa, na frente, alguém estava parado. Ao se aproximar mais um pouco, João sentiu seu sangue gelar. Um homem com chapéu de palha na cabeça estava em pé olhando em sua direção. Ou melhor, o homem não estava olhando para ele, pois não tinha rosto. João ficou paralisado, sem saber se havia se passado um minuto ou uma hora, mas reagiu assim que ouviu uma voz em seu ouvido dizendo: “Volte agora”. Nesse momento o homem com chapéu de palha simplesmente desapareceu. No alto daquela árvore, ele viu o que parecia ser um aglomerado de crânios, em um total de 7

— Está perdido, companheiro? — Questionou uma voz que quase fez o coração do pobre vaqueiro sair pela boca. — Oh, perdoe-me se eu o assustei, não foi minha intenção.

Ao se virar, João pôde ver quem era o dono da voz: um homem estranhamente alto, magro e pálido, cujo cabelo e olhos eram mais negros do que a noite.

— De onde o senhor surgiu? — João Carlos indagou. Ele ainda sentia os pelos dos braços arrepiados com o que havia acabado de presenciar, mas começou a se questionar se o homem com chapéu de palha não foi apenas um delírio causado pelo cansaço e pelo estresse de ter se perdido. Entretanto, os crânios que acabara de ver eram bem reais. — O senhor mora por aqui? Como se chama?

— Ah, sim. Moro aqui pertinho e posso levá-lo até minha casa, afinal, a noite pode ser traiçoeira para quem viaja sozinho. Que tal continuar em busca do seu destino amanhã? Posso levá-lo comigo e lhe oferecer uma tigela de sopa. Aliás, meu nome é Lúcio.

Claro que João Carlos queria chegar logo à casa do sogro, porém aquele estranho tinha razão, ele não ia conseguir encontrar o caminho de casa antes do dia amanhecer. Mas aqueles crânios... o que era aquilo?

— Vejo que esta árvore lhe aflige. Mas posso garantir que esses crânios não são reais. Havia alguns jovens acampados por aqui recentemente. Com certeza essa foi a ideia de brincadeira de halloween que eles tiveram. — Lúcio explicou.

“Que homem estranho”, pensou o vaqueiro, “Ele fala tão certinho parece até aqueles homens que a gente vê na capital, aqueles que andam bem vestidos com pastas embaixo dos braços, mas por que um homem assim moraria aqui? Se bem que meu patrão também é um homem muito inteligente e também mora por essas bandas. É... vou largar essa cisma e acompanhar esse homem. Amanhã saio bem cedo e explico tudo pra Marieta quando chegar lá. Vou chegar atrasado na fazenda pra trabalhar, mas não vejo outra solução”. Tomada a decisão, lá foi João para a casa daquele homem.

Como prometido, Lúcio serviu uma tigela cheia de uma sopa bem quente e saborosa a João. Logo em seguida, O anfitrião da casa o conduziu até o quarto de hóspedes. A casa não era muito grande, mas era bem confortável. Mal deitou a cabeça no travesseiro, João caiu em um sono cheio de pesadelos. Sonhos repletos de vultos e crânios, além de um homem com chapéu de palha e um laço na mão.

João acordou muito assustado e, prontamente, sentou-se na beirada da cama e passou as mãos no rosto e nos cabelos para espantar as imagens assustadoras da mente, o relógio da parede marcava 3h da madrugada. No momento em que suas mãos tocaram os seus cabelos, porém, o homem sentiu algo diferente. Uma parte do seu cabelo havia sido cortada. Sentindo que algo estava errado, João decidiu que precisava ir embora dali imediatamente. Levantou-se e saiu do quarto. A casa se encontrava em completo silêncio, parecia que Lúcio não estava mais ali. Ao seguir para a saída, João notou a porta de um dos cômodos aberta. Sua curiosidade falou mais alto e ele espiou lá dentro, e o que ele viu o deixou chocado. Vários potes de vidro com bonecos horrendos dentro, todos possuíam um pedaço de cabelo na cabeça. Apenas um boneco não estava dentro de um pote, e João não tinha dúvidas que o cabelo que estava naquele boneco era o dele. O vaqueiro, sem pensar duas vezes, pegou aquela miniatura macabra e correu para fora daquela casa. Seu cavalo, por sorte, estava amarrado no mesmo tronco em que ele havia deixado. João encontrou a trilha por onde ele tinha vindo e percorreu o caminho de volta para a fazenda.

Quando chegou à porta da casa grande, o sol ainda não havia nascido. Mas João bateu na porta e chamou pelo patrão que veio muito preocupado ver quem o estava chamando tão cedo. Ao ver que era João Carlos, ele pediu para que o vaqueiro entrasse e contasse porquê estava tão assustado. Após ouvir a história toda, Adamastor pediu que o pobre homem fosse para um dos quartos descansar, pois ele mandaria outro criado levar os remédios para o pai de Marieta. Ao amanhecer, o fazendeiro mandou trazer o padre da cidade mais próxima para que João pudesse contar tudo a ele.

— Isso só pode ser magia negra. Além disso, dizem que no dia 31 de outubro as portas se abrem para que diversas criaturas possam andar pela Terra, pois é o dia que antecede o sagrado Dia de Todos os Santos. Dê-me esse boneco que darei um fim nele. — Disse o padre depois de ouvir toda a história.

— Agora, João, vou levá-lo até a casa de seu sogro e pode ficar sossegado pelo resto da semana. Vou arranjar alguém para te substituir no serviço da fazenda, até lá você precisa descansar um pouco. — Complementou o fazendeiro assim que o padre se levantou para ir embora.

Naquele mesmo dia, o padre retornou à fazenda dizendo que foi até o local que João disse que viu a tal árvore, mas que não havia crânio algum lá.

Passados alguns dias, Adamastor trouxe da cidade um jornal. Após ler uma matéria específica, chamou João Carlos até seu escritório.

— João, leia isso.

— Deixa eu ver, patrão. — Falou o vaqueiro pegando o jornal que Adamastor lhe entregou. — “Jovens desaparecidos desde a tarde do dia 31 de outubro ainda não foram encontrados. Após saírem para acampar, um grupo composto por 7 jovens desapareceu misteriosamente. Os policiais não encontraram pistas do que pode ter ocasionado o sumiço desses rapazes, mas as investigações e as buscas continuam”.

— Sete garotos. A mesma quantidade de crânios que você disse ter visto naquela árvore. — Observou Adamastor. — Mas quem foi até lá depois daquele dia não viu esses crânios. Infelizmente, se contarmos isso à polícia, ninguém vai acreditar. A maioria das pessoas da cidade não acreditam no sobrenatural como nós. É uma pena.

Naquela noite, João teve um sonho. Dessa vez não foi um sonho ruim. O homem com chapéu de palha mais uma vez apareceu com um laço na mão e, aos seus pés, um homem alto, pálido e de cabelos negros estava caído.

O homem com chapéu de palha agora mostrava o rosto e, com um sorriso, levantou o homem do chão e o levou embora para longe, para um lugar onde nunca mais faria mal a alguém.