UM INFELIZ APELIDO

 

João ainda lembrava com clareza daquele dia em que sua família se mudou para a nova casa, um recanto aconchegante em um bairro tranquilo. O pai de João, Antônio, era conhecido por sua habilidade peculiar de criar apelidos. Para ele, ninguém permanecia com o nome de batismo por muito tempo, pois em poucos dias já ganhava um apelido, às vezes engraçado, às vezes carinhoso.

Logo no primeiro dia na nova casa, notaram uma cadela no quintal da vizinha ao lado. Era uma vira-lata simpática, de olhar curioso e orelhas alertas. Sem saber o nome do animal, Antônio rapidamente decidiu chamá-la de "Genoveva". Parecia um nome nobre, apropriado para aquela cachorra que agora parecia fazer parte da paisagem.

Naquela mesma noite, enquanto todos tentavam se acostumar à nova moradia, a tranquilidade foi quebrada. A cadela chorava baixinho do outro lado da parede. Antônio, um homem de sono leve, foi o primeiro a acordar. Virou-se para a esposa e, num sussurro irritado, comentou:

— Essa Genoveva aí não vai me deixar dormir.

No dia seguinte, logo pela manhã, enquanto Antônio regava as plantas do quintal, a vizinha apareceu. Uma senhora baixinha e sorridente, que veio dar as boas-vindas à família nova. Depois de algumas palavras gentis, Antônio não resistiu e comentou:

— Dona, a Genoveva aí chorou a noite inteira. Será que ela está doente?

A vizinha, num súbito, perdeu o sorriso. Arqueou as sobrancelhas e respondeu, num tom que misturava surpresa e desagrado:

— O senhor está zombando de mim?

Antônio, sem entender o motivo do mal-entendido, coçou a cabeça e retrucou:

— Zombando? Claro que não. A Genoveva chorou, isso sim.

— Pois saiba o senhor que meu nome é Genoveva! E eu não gostei dessa piada com a minha pessoa!

A confusão foi instantânea. Antônio gaguejou, tentando se explicar, mas era tarde demais. O olhar da vizinha já revelava sua ofensa. Ele tentou consertar a situação:

— Ah, mas eu me referia à sua cachorra. Não sabia o nome dela e acabei chamando de Genoveva, foi só um apelido!

— Pois então mude o apelido, porque Genoveva sou eu! E não a cadela! — E saiu, indignada.

Antônio ficou ali parado, ainda com a mangueira na mão, sem saber se ria ou pedia desculpas de novo. No fim, durante as semanas que se seguiram, ele tentou todos os dias desfazer o mal-entendido, mas a vizinha jamais esqueceu aquele apelido que, sem querer, tinha sido lhe dado. Para ela, Antônio tinha feito uma piada às suas custas.

E assim, a cadela da vizinha jamais teve um nome oficial aos ouvidos de Antônio, mas continuou sendo "Genoveva", ao menos no imaginário de quem ouvia seus apelos noturnos. E toda vez que a verdadeira Genoveva passava em frente à casa de João, seu pai se encolhia um pouco, com aquele sorriso sem graça de quem carregava uma fama que não pediu.

Neri Satter – Setembro de 2024    CONTOS DO SCARAMOUCHE

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Enviado por Scaramouche em 24/09/2024
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