ONDE NASCEM OS ANJOS E DEMÔNIOS
No coração de uma pequena cidade, havia uma casa que, à primeira vista, parecia comum. Contudo, dentro dela, o que se desenrolava era uma complexa teia de expectativas, desilusões e um ciclo de comportamentos que perpetuava a desigualdade de gênero. Maria, a matriarca, era uma mulher forte, trabalhadora e dedicada, mas também sentia o peso das suas escolhas.
Desde cedo, Maria sonhou com um amor que a fizesse sentir-se como um anjo. Ela ansiava por um marido que a respeitasse, um namorado que a valorizasse e um amante que a fizesse sentir-se desejada. No entanto, ao focar tanto em encontrar esse amor, Maria acabou criando seus filhos em um ambiente onde as expectativas eram desencontradas. Ela desejava que eles se tornassem homens de respeito, mas, sem perceber, cultivava comportamentos que os tornavam insensíveis.
Pedro e Lucas, seus filhos, cresceram rodeados de permissões e desculpas. Desde pequenos, aprenderam que suas obrigações eram opcionais. Quando Maria pedia ajuda nas tarefas da casa, era comum ouvir respostas sarcásticas ou, pior ainda, a simples ignorância. “Isso não é minha obrigação”, diziam, enquanto deixavam a louça suja acumulada na pia ou ignoravam as roupas jogadas no chão.
Maria, exausta após um dia de trabalho, aceitava essa dinâmica, acreditando que, um dia, eles entenderiam o valor do respeito e da colaboração. Mas, ao fazer isso, ela acabava por alimentar a crença de que as mulheres deveriam arcar sozinhas com as responsabilidades do lar. E assim, sem perceber, começou a criar não só filhos, mas monstros que viam as mulheres como figuras secundárias.
Os dias se transformaram em semanas, e as semanas em meses. O que deveria ser um lar harmonioso tornou-se um campo de batalha. Em conversas, os meninos desdenhavam das mães e irmãs, considerando seus esforços insignificantes. “Você não faz nada demais, é só cozinhar”, diziam, enquanto Maria lutava para equilibrar trabalho, estudos e a gestão da casa.
Quando chegava o momento de suas namoradas engravidarem, Pedro e Lucas estavam despreparados. O que aprenderam em casa não os preparou para a realidade de ajudar suas parceiras. Como poderiam lidar com a exaustão de uma gravidez ou com a responsabilidade de cuidar de um recém-nascido se nunca haviam levantado um dedo em casa? Para eles, a masculinidade era algo que se sustentava em palavras, e não em ações.
O ciclo continuava. Maria, cansada e frustrada, observava seus filhos se tornarem homens que perpetuariam o mesmo comportamento com suas futuras companheiras. Ela percebeu que a luta não era apenas contra a falta de respeito dos filhos, mas contra uma cultura enraizada que aceitava a passividade masculina no lar. Cada risada sarcástica, cada desdém, cada desinteresse era um passo a mais na construção de um futuro onde a igualdade era uma miragem distante.
Certa noite, Maria decidiu mudar o rumo da história. Com coragem, ela reuniu a família à mesa e, em vez de servir o jantar como sempre fazia, pediu que todos colaborassem. “Hoje, vamos fazer isso juntos”, disse, olhando nos olhos de cada um. A princípio, houve resistência, mas Maria se manteve firme. Durante aquele jantar, ela começou a compartilhar suas histórias, suas lutas, e o esforço que colocava em cada refeição, cada tarefa.
Com o passar do tempo, Pedro e Lucas começaram a entender que as mulheres em suas vidas eram seres humanos, não apenas cuidadoras. O respeito começou a florescer lentamente, e, com ele, a transformação. Maria, ao invés de criar demônios, começava a nutrir anjos.
Assim, no coração daquela casa, a mudança se fez presente. O ciclo de machismo começou a se desmanchar, dando espaço a um novo entendimento sobre o que significa ser homem e mulher em uma sociedade em constante evolução. E, talvez, a verdadeira masculinidade se revelasse não em palavras, mas em ações.