O FILHO DO BOTO
Era uma noite quente no quilombo do Curiaú, onde as luzes da festa religiosa iluminavam os rostos alegres dos familiares e amigos. A música do marabaixo ressoava no ar, e os ritmos contagiantes faziam todos dançarem, mas em meio à celebração, dois amigos de infância, Ana e Miguel, sentiam uma tensão diferente, algo que havia mudado entre eles.
Desde pequenos, sempre foram inseparáveis. Cresceram juntos, compartilhando risadas, segredos e sonhos. No entanto, ao entrarem na adolescência, a inocência da amizade deu lugar a sentimentos mais profundos e complexos. Ambos sabiam que suas famílias não aceitariam um relacionamento amoroso, e isso apenas intensificou a paixão que sentiam um pelo outro.
Naquela noite, impulsionados pela música e pelo ambiente festivo, decidiram que era hora de tomar uma decisão. Com um olhar cúmplice, os dois se afastaram da festa, alegando que iriam ao banheiro. Mas, em vez disso, se embrenharam no mato, onde a escuridão e a intimidade os cercavam. O cheiro da terra molhada e o som distante da festa criaram um cenário perfeito para a consumação de seu amor. Entre beijos e sussurros, perderam-se um no outro, ali, sob a luz da lua, como se nada mais importasse.
Após aquela noite inesquecível, retornaram para suas casas com os corações acelerados, mas a coragem de contar às famílias sobre o relacionamento nunca surgiu. Os meses passaram rapidamente, e os encontros se tornaram furtivos, sempre realizados no meio do mato, longe dos olhares curiosos.
Mas, como a vida muitas vezes nos surpreende, Ana percebeu que estava grávida. A notícia a deixou em choque, e a pressão social começou a crescer. O que fazer? Em um momento de desespero, decidiu procurar Miguel, o pai da criança. Ela queria se assumir, contar a verdade e, quem sabe, construir uma vida juntos.
No entanto, Miguel estava apavorado. O medo do julgamento e a pressão familiar o fizeram hesitar. Ele convenceu Ana a criar uma história, uma mentira que os protegeria de olhos curiosos. Assim, na mesa de jantar da família, Ana contou que, durante a festa, encontrou um homem misterioso vestido de branco, que a seduziu e a deixou vulnerável. A história, embora absurda, foi aceita pela família, e a avó, com um sorriso malicioso, disse: "Foi o boto, minha neta. Ele faz isso com as meninas nas noites de lua cheia."
O filho de Ana cresceu conhecido como o "filho do boto", e a verdade sobre sua origem permaneceu oculta. Ana, com o passar do tempo, se casou com um rapaz da cidade, enquanto Miguel buscou novos horizontes no sul do país, levando consigo a memória de um amor intenso e proibido.
Anos se passaram, mas a lembrança daquela noite no mato nunca se apagou da mente de Ana. O amor que sentira por Miguel era algo que desafiava qualquer razão, um laço impossível de quebrar, mas também inegavelmente marcado pela dor da escolha que fizeram. Ambos seguiram seus caminhos, mas a conexão que tinham, mesmo que distante, sempre permanecerá como uma parte de suas histórias.