O FALSO CARDUME
O FALSO CARDUME
Autor Moyses Laredo (relato de um olheiro de cardume)
Causos Amazônicos
Carlito Bacaba, miúdo que só ele, nascido no lago do Jaraqui no município de Manaquiri, cresceu em meio a vida do verdadeiro homem amazônida, de hábitos simples e de vasto conhecimento popular, porém, limitado em conhecimento científico, mas, de uma riqueza tamanha em se tratando de Amazônia, pois lá se criou em intimidade com o meio ambiente e que, apesar de dispor de pouco conhecimento técnico criava suas próprias armas e armadilhas que depois, eram copiadas por muitos da redondeza. Com o avanço das ocupações urbana, não conseguia sobreviver apenas dos recursos naturais disponíveis em sua região, a dita civilização avançava com ferocidade nos arredores da mata, como uma impinge de estimação que mantinha carinhosamente na sua virilha, ele tinha apego pelas coceiras que lhe proporcionava. Mas Carlito, mais conhecido como Bacaba, possuía um complexo conhecimento da natureza, conseguia enxergar no escuro e saber o tempo certo dos jaraquis saírem das tocas dos Igapós.
O menino Bacaba, a conselho da mãe, saiu à caça de emprego, já que não conseguia mais tirar o sustento da mata resolveu buscar “sirviçu”. Avistou um barco pesqueiro que por ali tinha apoitado e pensou em ver se precisavam de algum ajudante ou taifeiro; as pessoas que ocupam essa função em barcos pequenos, são encarregadas de preparar as refeições para a tripulação, de servi-las, além de cuidar da arrumação das coisas do barco. Como ele não dispunha de nenhuma habilidade técnica que não fosse ligada a caça e pesca, o que viesse estaria de bom tamanho. Depois de uma breve entrevista, reservaram pra ele a importante missão de “olheiro de cardume”, ele só tinha que ficar sentado à noite, numa cadeira de embalo tipo macarrão, em cima do toldo, a bom observar a chegada dos cardumes, diz ele que os distinguia porquê a água estufava e faiscavam as escamas com o brilho do luar. Nesse cansativo trabalho, ficava observando desde a popa até a proa do barco, cuidando de ver as mudanças n’água para de pronto avisar a todos logo mais abaixo do toldo que dormiam em suas redes já preparados para agir, tinha um código para isso, com dois pisões do calcanhar no zinco do toldo, “tum, tum” era tudo, estava dado o aviso.
Mas o Bacaba não servia só pra essas coisas, ele também saía de dia com o pessoal nas canoas, para identificar os cardumes que saiam das matas dos Igapós logo após uma chuva forte, antes mesmo de alcançarem o rio e se dispersarem. O Bacaba mergulhava e se acomodava de cócoras no fundo, todos faziam silêncio nas canoas, para que ele escutasse os roncos dos jaraquis, e de lá, marcava a direção, para todos saírem a cercar o cardume com suas longas redes tipo malhadeira. O Bacaba realmente se tornou uma pessoa importante, até distinguia na captura os dois tipos de jaraquis, o de escamas finas e os de escamas grossas, esses últimos, botavam à venda, os de escamas finas ficavam para o consumo, porque eram os mais deliciosos. Desse modo, ganhou respeito e notoriedade de todos que passaram a lhes dar atenção, além do mais, era um contador de histórias dos mais afamados na região. À noite, era o pau que rolava ele contando os seus causos, o pessoal fazia silêncio que dava para ouvir um carapanã piscando. Tem um que chamou a atenção de muita gente, uns até ficaram apavorados, deixaram de sair de canoa à noite, outros riram da presepada dele. Ele contou que uma ocasião quando estava de olheiro de cardume, já bem depois da meia noite, notou que vinha em sua direção um barco grande que acendeu as luzes de bombordo e estibordo já em cima, notou também que eram amareladas e não, conforme a Capitania exigia, vermelha para bombordo e verde para estibordo, através dessas cores se consegue distinguir se o barco está vindo ou indo. Se da margem você ver as luzes vermelhas, bombordo (esquerdo), quer dizer que o barco está indo, mas no caso, as duas eram amareladas e eram extremamente fortes, ele não viu os sinais característicos dos cardumes, se assustou, porque achou que a coisa iria abalroar a sua embarcação, se levantou num susto, calcou o calcanhar no alumínio do toldo, deu o sinal combinado, houve o rebuliço dentro do barco, todos tratando de pular das redes, ao mesmo tempo, sobreveio um banzeiro medonho que o barco parecia que estava quebrando ondas, como os jangadeiros fazem ao empurrarem suas jangadas para alcançar o mar calmo. As ditas ondas eram tão fortes que pegaram o barco de proa para popa, o pobre barco subia e descia caindo com estardalhaço, como que numa gangorra, o pessoal se sentiu sem direção, não faziam ideia o que era aquilo, tudo que estava solto voou e pousou na cabeça de alguém, em seguida, sentiram uma trombada no casco, de algo muito duro, diferente de um tronco, que bateu macio no fundo do casco fazendo-o adernar um pouco, o pessoal apelava pra Nossa Senhora da Boa Viagem. O Bacaba lá em cima, se agarrou firmemente no mastro para não cair, foi quando olhou para a popa e viu as duas canoas que estavam amarradas, serem misteriosamente arrastadas e sumirem num rebojo de grandes escamas, que se formou com a passagem daquilo que ele não soube dizer na hora o que era, mas, por fim, aquilo que lhe parecia um século de agonia passou do jeito que começou, rapidamente. A história correu mundo, e alguém disse tratar-se da Boiuna. O Bacaba, conhecedor dos encantos das matas ficou na dele, ele sabia que era a dita cobra grande, a velha conhecida Boiuna que lhe visitou.