O CABOCLO FUGIU
Uma dessas histórias de família que eu mais gosto é a do primo de minha mãe, Manuel Custódio, lá nos anos 30, mas que ainda hoje é motivo de muito riso.
Foi assim.
O tio da minha mãe, Coronel Viriato, da guarda “num sois nada” era o único dono do engenho Serra do Cipó, plantava cana e era produtor de açúcar bruto e de muita rapadura, famosa pela boa qualidade. Mais de cem pessoas trabalhavam no engenho que ele dirigia com mão de ferro, mas ao mesmo tempo com a retidão de trilho de trem. O que o cabra merecesse ele não negava de jeito nenhum, mas também não se fizesse de maria mole que ele mandava dar uma pisa de cipó de boi. Naquele tempo tudo era assim, resolvido na hora e valia a opinião do mais forte ou de quem tivesse bala na agulha.
Um dos moradores do engenho tinha muitos filhos, parece que eram 18 ou 20 e entre eles tinha uma mocinha que nunca se afinou com o trabalho da roça, mas que era exímia cozinheira. A tia Firmina, pediu ao marido para contratar Helena, uma das filhas desse morador para ela trabalhar na casa grande, ajudando em tudo. O trato foi feito e Helena mudou-se com armas e malas para o casarão. Por esse tempo, já faziam uns anos que Manuel Custódio tinha casado com a prima Rosália, desses casamentos dentro da família como ocorrem até hoje. Maria Rita, minha esposa, é minha prima pelos dois lados, porque é filha do primo Ernesto, sobrinho de minha mãe e Rosalina, a mãe dela, é sobrinha do meu pai.
Mas voltando ao primo Manuel Custódio.
Para poder botar os filhos na escola, mudou-se do engenho para uma casa na rua Grande. E essa menina Helena, vez por outra vinha ajudar a prima Rosália na lida da casa.
Acontece que depois que apareceu um pessoal dessas religiões africanas, Helena achou por bem de participar do terreiro e de vez em quando baixava um caboclo, desses brabos que quebrava tudo que fosse de barro, falando com voz grossa e dizendo que não respeitava ninguém.
A família morava na rua, mas Manuel Custódio continuou trabalhando no engenho e só chegava em casa depois das oito da noite. Num desses dias, quando ele desceu da burra, achou esquisito a prima Rosália estar com os dois meninos do lado de fora, sentados no batente e ela com Nevinha dormindo no colo. Aí quando ele soube que Helena estava com o caboclo incorporado, que já tinha destruído um bocado de coisas por dentro de casa, ele disse, vou resolver isso agora mesmo.
Sentou-se num dos bancos em volta daquela mesa de massaranduba que tem o tampo com mais de sete centímetros de espessura, aonde Helena estava abarrancada na cabeceira, rosnando feito gato acuado.
- Quem é você meu irmão?
- Sou o caboco Unê! Cumigo num tem homi que guente.
- E o caboclo é forte mesmo? Aguenta uma quebra de braço?
- Caboco guenta coqué coisa.
- Vamos fazer uma quebra de braço. Me dê sua mão esquerda que eu não quero prejudicar a mão direita do seu cavalo.
Deram-se as mãos esquerdas e o primo Manuel Custódio plantou a mão direita no pé do ouvido do caboclo. Já no segundo tabefe o fio de sangue estava descendo pela orelha.
Num instante o caboclo disse que ia se retirar e nunca mais ninguém ouviu falar que ele tenha voltado.