A Linha e o Semanticista
Por ser filho de militar, Artur e sua família tiveram que se mudar muitas vezes.
Na primeira infância, o responsável pela bateria militar, na paradisíaca ilha de Mosqueiro, Belém – Pará, era o capitão Felipe, pai de Luizinho, a primeira lembrança de amiguinho do Artur.
Já aos quatro anos frequentaram o Grupo Escolar Azulino e Luizinho já se mostrava encantado com as primeiras palavras, ensinadas pela professora: ave; vida, vara, uva...Depois, outra mudança e Luisinho permaneceu somente nas lembranças de Artur.
Num desses eventos “estava escrito”, Artur que, agora, depois de significativas mudanças, vivia no Rio e num acampamento de filhos escoteiros, em conversa com outro pai, entendeu, surpreendendo até o próprio destino, que era o próprio, Luisinho, o amiguinho de infância.
Artur, ansioso por saber da vida de Luisinho, perguntou o que escolhera como profissão. Respondeu que escolhera estudar a língua portuguesa, e, como continuava encantado com o significado das palavras, era professor da universidade e reconhecido como semanticista,
Entretanto, acrescentou, que fora a palavra “linha” e o entendimento de sua diversidade de significados, ocorrido até seus dezoito anos, uma das determinantes de sua escolha.
E assim, iniciou a minuciosa narrativa sobre o seu deslumbramento com as palavras e seus significados: durante a infância, como minha mãe, além de todos os trabalhos do lar, costurava, também, para outros, foi a linha de suas agulhas e de sua máquina de costura, movida com seus pés, a primeira descoberta: linha, ou seja, aquele fio enrolado em tubos ou carretéis, utilizados na costura.
Artur, tu deves lembrar quando algumas vezes nossos pais nos levaram como companhia para pescar: a linha para pesca, “estica bem a linha, que é para sentires quando morderem a isca”.
Depois a professora de português se referia, tanto nas páginas dos livros como de nos nossos cadernos, a aqueles conjuntos de palavras encadeadas dentro dos limites de a largura da folha, também, como linha: “pagina tal, segunda linha do terceiro parágrafo”. Esse tipo de linha estava, também presente, naquele dia em que papai, o capitão Felipe, levou-me para o quartel e conheci onde era feito espécie de jornal: “só falta quatro linhas (de caracteres tipográficos) para fechar”.
Sabe Arthur, essas frases que revelavam outros “objetos”, todos denominados linha, essa diversidade de aparências encantava-me tanto, quanto os truques de mágicas feitas pelo cozinheiro daquele hotel em que minha família morava.
A professora de geometria definiu-a como união entre dois pontos e que poderia se apresentar de várias formas: linha reta, linha curva, linha quebrada... “A menor distância entre dois pontos é uma linha reta”.
Depois de poucos anos que tinhas viajado para o Rio, apareceu uma cigana que perambulava pelas ruas e ganhava alguns trocados, prevendo o destino dos que se dispunham a lhes estender a mão, para que a lesse. Todos nós temos uma serie de linhas nas mãos, inclusive um “m” formado por linhas: “sua linha do amor indica que terá algumas decepções, mas encontrará sua companheira definitiva”.
Ouvi em casa, numa das vezes que meu pai, saudosamente, se referia ao teu, falar: o pai do Artur, aquele sargento que trabalhou comigo na bateria de Mosqueiro, dizia orgulhoso: “na minha linha ascendente, tem índio, português e negro”.
E mais significados fui entendendo:
linha, nas formações militares, inclusive nas insanas guerras: “linha de combate”; nos transportes: linhas marítimas, aéreas, fluviais, ferroviárias, urbanas; nas promoções de carreiras, tipo a militar, e no direito a herança: “linha sucessória”; no fornecimento de energia, linha de transmissão; nas comunicações, linha telefônica; relativa aos modelos e processos de fabricação de produtos: “o modelo tal, saiu de linha (não entra mais na linha de produção)”;
Mas, Artur, foi o encantamento com os sentidos figurados dessa pequenina e melodiosa palavra o mais determinante à escolha de minha profissão: “são muitas as linhas do pensamento filosófico”; são diversas as linhas de crédito oferecidas pelos bancos”; “foi expulso, por divergir frontalmente de a linha ultra conservadora de seu partido”; “projeto de grande linha foi desenvolvido pelo instituto”; “ela esbanja linha tanto no vestir, como no andar”; “se quiseres que ele se revele no baile de tua formatura, dê-lhe linha acompanhada de destilados”; “ela se mantém em regimes permanentes, para não perder a linha (ou as linhas)”; “a beleza das linhas das artes”; “linhas gerais”.
Era a última noite do acampamento, eram muitos os chamados para o Fogo do Conselho”, ritual da última noite dos acampamentos no escotismo de terra do Rio de Janeiro, apesar de não querermos interromper o imenso prazer daquele encontro, nos dirigimos ao local para assistir esse lindo e emocionante ritual escoteiro.
Separados pela grande roda formada por lobinhos, sêniores, guias, pioneiros e voluntários, Luizinho e Arthur escutavam o lindo, terno e solidário canto de encerramento: ... “Não é mais que um até logo/Não é mais que um breve adeus/Bem cedo junto ao fogo/Tornaremos a nos ver”
Luizinho procurou Artur, antes de retornarem para a última noite em suas barracas para despedir-se: “Artur vamos ver se, em vez de desapareceres numa próxima partida, plasmamos o pedido em estribilho do canto escoteiro e que bem cedo tornaremos a nos ver.