A propos de Simonne
Simonne olhou para mim de modo oblíquo, por trás de uma nuvem de fumaça do cigarro que mantinha entre os dedos longos.
- Esse papel no seu filme... o que é, exatamente?
- Ainda não escrevi o roteiro - tive que admitir. - Mas é uma personagem importante.
Ela arqueou as sobrancelhas.
- Uma prostituta.
- Sim, é uma prostituta. Algum problema em fazer papel de prostituta, Simonne?
Ela continuou me encarando e deu uma tragada no cigarro.
- Você sabe o que falam de mim e você, não sabe?
Entrelacei os dedos sobre a mesa e esforcei-me para aparentar surpresa.
- Quem fala o quê de mim e você, Simonne?
Ela deu de ombros e baixou brevemente os olhos, antes de bater a cinza do cigarro no cinzeiro sobre a mesinha do café parisiense. Depois assestou em mim novamente os olhos cor de mel.
- Recebi alguns telefonemas bastante desairosos depois do meu último papel, no seu filme anterior... e eu era uma coadjuvante. Fico imaginando o que teria ouvido se me tivesse dado a protagonista.
Franzi a testa.
- Conseguiu identificar alguém?
Novo encolher de ombros.
- Só pode ser gente da indústria, ou não teriam meu telefone. A maioria homens, algumas mulheres. "Vagabunda do diretor" foi a coisa mais leve de que me chamaram.
Suspirei.
- Você deveria ter me contado isso... eu realmente não imaginava que houvesse gente tão baixa nesse mundo.
Ela me lançou um olhar cético.
- Eu lhe contaria e você faria... o quê, Jean-Christophe?
- Talvez pudéssemos trocar seu número na companhia telefônica - foi a única ideia que me ocorreu na hora.
- Nem uma notinha nos jornais, em minha defesa? - Questionou ela, aprumando o corpo esbelto.
- Bem... eu poderia ter feito isso se soubesse o que estava ocorrendo - defendi-me. - Não assedio minhas atrizes, e tampouco posso tolerar que estranhos façam isso com elas. Você não deveria ter guardado esse sofrimento só para isso.
Ela balançou a cabeça em concordância enquanto dava outra tragada, sem despregar os olhos de mim. Parecia temer que eu desaparecesse caso desviasse o olhar.
- Eu não vou deixar você na mão, Simonne - prometi.
A expressão dela pareceu suavizar-se um pouco. Finalmente, deixou de me encarar como se eu fosse uma borboleta prestes a ser espetada num insetário; mas quando falou, sua voz continha uma nova resolução.
- Mas prostituta, Jean-Christophe... eu não vou tirar a roupa por um papel pequeno.
- Não é um papel pequeno - defendi-me. - É uma coadjuvante, que aparece em praticamente um terço das cenas; e pela sua interpretação, ouso dizer que vai roubar a maioria delas.
Eu tocara num ponto sensível e ela acusou isso esboçando um sorriso. Mas a batalha ainda não fora vencida, logo percebi.
- Mas nada de tirar a roupa, Jean-Christophe.
Inclinei o corpo em direção à ela, e sussurrei:
- Mas é uma pros-ti-tu-ta, Simonne.
Ela agora estava sentada com a coluna ereta, um sorriso nos lábios. Esmagou o toco de cigarro no cinzeiro e me disse com determinação:
- Você é o diretor. Vou deixar por conta da sua imaginação justificar uma prostituta que não tira a roupa em nenhuma cena...
Eu sabia que caso isso desse certo, Simonne provavelmente seria a protagonista num dos meus próximos filmes. E pela expressão de triunfo no rosto dela, ela também sabia disso.