E-mails não são cartas (4)

Jorges Barbosa <jorges.barbosa@recantodasletras.com>

16:48 (há 4 minutos)

para desconhecido@recantodasletras.com

escrevo a mão...

[rasgo o papel antes que ele me atravesse ao meio].

você já sentiu uma falta de ar no peito como se seu coração fosse parar de bater a qualquer momento? já cuidou de uma flor com tanto carinho e ela morreu? já leu contos de fadas? eu pensei que não escreveria mais, faltava-me elemento, talvez só escrevo apaixonado ou somente quando há dor. por que ainda me escreve? para falar de suas dores? seus traumas? seus tentáculos? escreve para falar sobre você, isso é tão narciso. leia os textos que te enviei, agora, leia os seus textos. o que há de nós? você diz que entendeu a persona, mas não passa de alguém fragmentado, buscando restos deixados nas vielas, nos buracos, nos copos. por que me oferece migalhas? eu não quis que fosse embora, chorei na sua despedida. ah, como solucei aquele dia. você me fez oco.

[paro de seguir-te no instagram].

quando eu o vi pela primeira vez, meus olhos sorriram, por um segundo pensei que era possível. por que nunca perguntou sobre minhas dores? por que nunca ouviu meu choro? seriam perguntas, se eu já não soubesse das respostas, fui mais um, você me viu como objeto, descartável. as borboletas tornaram-se taturanas, o processo foi ao contrário. não tenho conseguido sair do vício, tenho me matado todos os dias, eu nunca te dei essa autonomia. meu nariz sangra, meu estômago corrói, sou tecelão de narrativas fúnebres.

[mensagem excluída].

poesia ou prosa? café? chá? o que você aceita? eu quero alcóol, exteriorizar a vontade que tenho de beijar-te quando estou por perto. quando o verei? estou em abstinência, abre a porta, pois ainda bato nela. diga, escreva, leia. fiz loop em minha memória. arquivei nossos momentos ainda não experienciados. guardei tanta coisa para você, talvez tu está me ensinando algo para um próximo amor.

[risco uma poesia no papel]

entre flores e espinhos

as raízes

as folhas

o caule

desarmonizo um poema

a poesia é dos amantes

tenho sido um viciado

não escrevo

não produzo

não rimo

virei cientista

deixo o jardim

as rosas

aonde encontro a escrita?

em que parte da minha pele

ela se esconde?

que substância devo usar?

misturo as percepções

não tenho libido

não comi mais do fruto proibido

o que há com os corações?

quando o meu celular irá tocar?

será ajuda?

será você?

[risco o poema na pedra]

ascendo um beck, olho para a lua. estou perdido, não sei aonde me perdi, estou desesperado, emaranhado nesse lugar escorregadio. você lembra quantas madrugadas estivemos juntos? eu diria que o amo, mas não sobrou tempo, o dia amanheceu e já havia partido...partiu-me. não me responda mais, por favor, também deixe-me ir.

[excluo seu número].

Jorges Barbosa
Enviado por Jorges Barbosa em 25/07/2024
Reeditado em 25/07/2024
Código do texto: T8114666
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