HISTÓRIAS DA QUERÊNCIA - # O LAGARTO

Era um sábado de manhã de um fevereiro de 1900 e alguma coisa. Estávamos curtindo férias na praia. Estávamos todos brincando no cantinho de sempre do Hotel. Eu e a criançada – irmã, prima, primos e amizades feitas ali no lugar. Todos entre seus 8 e 13 anos.

O cantinho do Hotel consistia em dois paredões em L, onde a galera que passava as férias na Querência esculpia seus nomes, a data e a cidade de que tinha vindo, usando pedaços de tijolos como giz para registrar sua estadia. Havia neste cantinho uma calçada que circundava todo o prédio abandonado do antigo Hotel-Cassino. Para além da calçada o resto era só mato, mato e mato em três direções.

Bem mais à frente o terreno era mais limpo e havia casas de veraneio, a casa do administrador e uma quadra de vôlei improvisada no grande campo a perder de vista. Diante de uma das calçadas daquele cantinho em L havia um buraco na areia completamente tomada pelo mato, o qual provavelmente havia servido de bueiro de esgoto ou algo parecido num passado distante.

O fato é que muito se falava que um lagarto habitava aquele espaço e que o maior sonho da cachorrada do lugar era caçá-lo. De repente até se reunir para fazer um belo churrasco de lagarto para comemorar o sucesso da empreitada. Mas, crianças que éramos e mais interessados em nos divertir e aprontar do que qualquer outra coisa, não nos pareceu confiável e relevante tal informação, de modo que lá estávamos naquele sábado de manhã.

E assim, enquanto eu, uma das crianças mais velhas esculpia os nomes das menores nas paredes do Hotel, elas corriam, se divertiam e riam bastante de suas algazarras e fuzarcas às minhas costas ao passo em que eu permanecia profundamente concentrada em tão singela tarefa.

Entretanto, em algum momento da cena, o qual eu perdi completamente, tudo caiu no mais absoluto silêncio de modo súbito e despercebido por mim. Achei, claro, um tanto estranho aquela algazarra toda acabar assim do nada, sem aviso, mas não dei importância nenhuma ao fato. Coisas de pirralhos. Na certa foram correr ao redor do Hotel, pensei comigo.

Porém, um pequeno barulho de plástico pisado discretamente e com leveza na grama chamou minha atenção. Olhando para frente e para os lados nada vi que pudesse ter feito aquele barulho. Foi só quando baixei os olhos para o chão que identifiquei ainda meio em dúvida a criatura.

Só aí é que compreendi a causa daquela evacuação em massa do cantinho em que costumávamos brincar. Deparei-me com o dito cujo, o tal do lagarto que os cães queriam caçar. Vinha tranquilamente pela grama para entrar em seu buraco. Fiquei paralisada diante do bicho. Com aquela cara de “é isso mesmo?!” olhando fixamente para ele. Sem reação nenhuma. Nunca tinha visto um. Mas ele nem deu por minha presença. Passou à frente dos meus pés e calmamente se encaminhou para o seu lar.

Ainda fiquei por mais alguns segundos ali paralisada até me tocar de que só eu ainda não tinha feito o que os outros todos fizeram: gritar e sair correndo para o mais longe possível daquele lugar, de tanto susto só para manter o contexto da situação.

Tardiamente, é verdade, mas não podia me furtar a fazer o meu escândalo particular também.

Alessa B
Enviado por Alessa B em 11/07/2024
Reeditado em 11/07/2024
Código do texto: T8104948
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