Malasartes e o cachorro Britinho

Pedro Malasartes e o cachorro Britinho

Era uma vez um andarilho e seu cachorro. Eram eles Pedro Malasartes e o cachorro Brito, ou Britinho, como também era conhecido. Já fazia quatro meses que tinham feito amizade, e cada vez um ficava mais parecido com o outro. O cão ficava mais esperto, Malasartes ia aprendendo a dormir sonos levinhos, com as orelhas atentas aos sons dos pastos e do mato.

Brito tinha esse nome porque na verdade era um cabrito. O nome que ele tinha bolado para si mesmo, quando era mais pequenino, era "Cão Britinho", mas Malasartes vetou o trocadilho. Já bastava ter de convencer a toda gente que era uma raça rara de cachorro, legitimamente brasileiro e em extinção. E esta é a história de como aconteceu a mudança de personalidade de Britinho, quando ele ainda não tinha esse nome e era só um cabritinho.

Tudo começou quando, certa vez, andava Pedro Malasartes à procura de emprego, mas nem tanto, era mais comida. Chegou a um sítio e viu um homem arrastando um cabritinho por uma corda, dizendo:

- Logo você vai estar na panela, vai dar um ótimo ensopado! Uma engordadinha a mais e estamos conversados!

Malasartes encarou o pequeno cabrito e, vendo seu olhar aterrorizado, sentiu uma angústia tão grande que elaborou ali mesmo, em segundos, a mais rápida de suas astúcias. Aproximou-se do sitiante e disse:

- Mas olha só que belo cachorro o senhor tem aí! Ele caça?

- Não, ele assa! Que cachorro o quê, rapaz! Não está vendo que é um cabrito? Perfeito para ir para a panela.

- Cabrito onde? Esse cachorro? Vai colocar o cachorro na panela? Eu, eihn? - e foi embora rapidinho, fazendo cara de espanto.

Nos dias seguintes, Malasartes voltou a visitar o sítio, mas sempre muito bem disfarçado, de modo que o sitiante nunca percebeu que era sempre a mesma pessoa.

Disfarçou-se de um notório zoólogo, especialista em espécies raras de cachorros. Disfarçou-se de delegado de uma imaginária delegacia especial de proteção a cachorros que pareciam cabritos. Disfarçou-se de dona Léia, essa sim uma pessoa da vida real, o ser humano mais sábio em um raio de cinco mil quilômetros, que confirmou, assim como os outros, que o cabrito era cachorro.

Quando "dona Léia" foi embora, o cabritinho, que a essa altura já tinha percebido muito bem o golpe de Malasartes, começou a balançar seu toquinho de rabo e a emitir balidinhos na forma de "au! au!".

Foi o golpe fatal! O sitiante, de olhos esbugalhados e com as mãos na cabeça, começou a correr em círculos, gritando:

- Ai, ai, ai, que já não sei de mais nada dessa vida, tô louco? Eu não tô bem!

Olhou para o pequeno cabrito com fúria, achando que era uma entidade sobrenatural disposta a enlouquecê-lo e matá-lo, saiu correndo até a porteira do sítio, abriu-a e berrou:

- Fora daqui, animal extravagante! Tô bem, tá? Não vem não!

Lá fora, sabendo que era questão de tempo, Malasartes esperava o cabritinho.

Desde então, compreendendo que os seres humanos não achavam os cachorros comestíveis, o cabritinho às vezes assumia essa identidade, e se divertia muito! Esperteza que deixava Malasartes orgulhoso, e ai de quem ousasse duvidar da natureza canina do pequeno cão Brito!

Nina Basílio
Enviado por Nina Basílio em 09/07/2024
Reeditado em 16/07/2024
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