A talagada contra a tosse
- Mizi fio, Mizi fio! Óia. Toma coidado. (Dá uma tragada e uma baforada no seu charuto odorizadíssimo para todos os paladares.)
- Qui é, vô Padião?
- Mizi fio, Mizi fio! Óia. Tou veno u’as sombra per de tu. Vou ter qui assuntar dereito, Mizi fio, se é sombra boa ou sombra de coisa feita.
- Xente, vô Padião! Assunte, veja o sinhô de que é feito essas sombra.
- Hum! Hum! (Toma outra tragada com duas baforadas do charuto). Mizi, fio, Mizi, fio. Óia. Vassuncê tem facilitado. Num parece ser coisa boa não. Vassuncê tome coidado!
- Xente, vô Padião! Bote tenença! Me diz do que se trata.
- Hum! Hum! Sei não! (Dá uma tragada com três baforadas do charuto. Dá tremelique no corpo, se sacode inteiro. Fica com a voz diferente, mais fina. Vô Padião põe a mão na cintura e posta o corpo para trás. Vem Pombagira aí)
- Bença, vô Padião!
- Vô Padião o quê? Tá aí bestano! Aqui é Maria fulor de Maracujá! Xente! Tá pensando o quê? Se assunta não? Me chamando de macho. Eu sou é a fêmea de todo macho.
Pensou: Bem que me falaram umas coisas de vô Padião! Mas já tem quase cem anos! Nessa idade! Ainda continua com esses costumes que vem de velho! Pois é, quem foi rainha nunca perde a majestade!
Enquanto isso, vô Padião ou Maria fulor de Maracujá gira, roda, dá quatro baforada no charuto, ri, ri desbragadamente, toma vários tragos da garrafa de velho barreiro. Gira e chega junto de Leleco:
- Cuma é seu nome, suncê?
- Leleco!
Ri com todo o corpo, se sacode toda e para um pouco porque vem alguém lhe vestir com uma túnica vermelha bem rodada.
- Xi! Xi! Nagora sim. Nagora tou vestida cuma mereço. (Ri a não poder mais.
Não parece mais aquele senhor de noventa e sete anos sem poder andar direito, sem poder falar direito, produzindo os sons com dificuldades e pregado na sua cadeira de balanço como se estivesse nela colado. Agora, ri alto, se movimenta com desenvoltura, fala fino.)
Volta-se para Leleco:
- Leleco! Hum! Leleco! Apois! (Dá uma baforada no charuto). Nome de macho bunito, aprumado, ajojador, de coisas prontas! (Ri alto, se sacode toda). Mizi, fio. Mizi, fio. Tem nada não, Mizi, fio, vou aprontar um remédio ispiciá prá tu e vou mandar pro mato das caribocas tudo de mar qui te fizero.
- Vai me tirar essa tosse que já não aguento mais? Tou com a garganta e o pescoço doendo, os peitos e corpo não aguenta mais de tanto tossir.
- Incosto, Mizi, fio. Incosto mais ispinhela caída. Tudo trabaio feito. Mas simporte não. Vou mandar essa mundiça braba lá pros inferno véio de onde veio e que se fique pra lá com os qui num presta. (Rir alto, se sacode, põe as mãos nas cadeiras, toma um gole de velho barreiro, dá uma boa tragada e solta duas baforadas.)
- Traz os preparado ai, inhazinha, traz cá, xente, minina, num seja maluvida.
Num caneco grande pôs umas talagadas de velho barreiro, limão espremido e limão em rodelas, alecrim, melaço, casca de laranja, melagrião e rapadura derretida no fogo. Misturou tudo, fez umas mungangas com as mãos em relação ao preparado. Riu, riu muito, se sacudiu, deu três baforadas do charuto em direção à caneca e entregou a Leleco.
- Tome, Mizi, fio. Tome cum fé primeiro e adispois cum gosto. Se entregue toda à beberagem. Ela vai mandar essa trepeça sem marfa pra onde é a garganta que fez esse trabaio pra tu.
Leleco sorveu com gosto toda a bebida. Fez todas as caretas porque tava forte, mas tava doce. Isso não podia negar. Depois de sentir as baforadas de charuto na cara de Maria fulor de Maracujá, se arrepiou, se sacudiu e não tossiu mais.
- Tá veno, Mizi, fio. Tou dizeno que essa Maria fulor é uma danada!
Ouviu vô Padião na sua voz fraquinha, começando a andar com fraqueza e se dirigindo para sua cadeira de balanço, porém com seu charuto, este que serviu tanto ao velho quanto à moça fogosa Maria fulor de Maracujá.
Rodison Roberto Santos,
São Paulo, 08 de abril de 2024