Seríamos bentos...?
Estávamos ainda nos acostumando com a cidade, Pitangui, bem maior, naturalmente, do que o povoado operário de São Gonçalo do Brumado, de onde tínhamos vindo uns dois ou três anos antes. Vamos nos situar melhor no calendário, ainda que imaginário...chegamos em junho de 1958 e o ano da graça que corria "havera" de ser 1961...
E um passeio no centro não chegava a ser coisa temerária para três garotos sequiosos de alcançar o grau e o reconhecimento da ladinagem... Assim, nos comportávamos nos estritos limites das quatro linhas, independentemente de onde estivéssemos, igreja, escola, ou rua mesmo.
Dos muitos tipos excêntricos da cidade já tínhamos recebido a advertência de jamais provocar e até mesmo ficar reparando, para evitar dissabores. E um deles, Bento, apodado Bentoca, era um tipo que chamava a atenção e era tido como explosivo e imprevisível, quiçá em razão direta dos desafios e desaforos de quem padece de não mais que quatro pés de estatura. E não era um caso de nanismo. Parecia tão-somente, para usarmos uma terminologia mais correta politicamente, um cidadão verticalmente desafiado.
Bento, bento ou não, das venda de bilhetes de loteria é que extraía o seu ganha-pão, sem ao que se soubesse, haver sido bafejado com a venda de uma sorte grande... mas prosseguia no seu labor diário, perambulando pelo miolo da cidade onde era encontradiço com seu chapéu, sacola a tira-colo, um terninho azulado e pouco mais a ser notado, para um trio de meninos nada abusado...
Sabíamos que o refrâo daqueles que á distância de Bento caçoavam era Bento, Bentoca, farinha de mandioca... O bastante
para uma explosão de cólera e um catadupa de nomes feios e outros pouco ortodoxos meios...
E justamente naquela tarde em que eu com meus onze, Beu com seus nove e Cashi, com seus sete andávamos tranquilamente caminhando do largo da matriz para o jardim, não mais que um quarteirão à frente, topamos no mesmo passeio, em direção oposta com o indigitado Bento...que, não soubemos por que cargas d´água, tomou a iniciativa da provocação, apontando-nos o indicador com os dizeres:
- Treis peidorrêro...! Treis peidorrêro! Treis peidorrêro!
Aquele súbito ataque, não esperado, ensejou uma reação a três vozes, em uníssono:
- Bento Bentoca, farinha de mandioca!
E o homúnculo virou uma fera, catando ao chão que ainda era de pedrulho o que lhe alcançasse a mão, enquanto corríamos desabaladamente, com a sorte de uma esquina logo à frente...
Mas quem é que ia acreditar na gente...?