NOVA TOADA CANTANTE

A grande fazenda de café estava mais agitada do que de costume. João Carlos, o sobrinho moderno e ostentador de Jóca Silva, o fiscal, trouxera uma sonata para a colônia. Era um aparelho portátil movido à pilha, diferente da vitrola que tinha na casa de seu Nito, que era usada como um móvel por não haver eletricidade ou discos na região.

A noite estava começando, todos já haviam se lavado e feito a última refeição, quando se ouviu um tinido que soava por toda a colônia vindo da casa de Jóca. Era uma voz cheia e triste que lembrava o solo de um tenor italiano. Todos saíram para ouvir melhor o som da pequena sonata que reproduzia a estória de um boiadeiro e um menino que pedia para ouvir o som de um berrante.

— Mas como é bonito! — Dizia dona Zéfa, impressionada.

— Eu quero ir lá ver. — Falou um menino que brincava com a luz de um candeeiro.

Depois de ouvirem a música por umas três vezes, as pessoas trataram de se arrumar para dormir. O dia seguinte era “de branco”, como diziam, se referindo a um dia normal de trabalho.

No outro dia, por volta do mesmo horário, o som ecoou novamente para o desfrute de toda a comunidade. Mas desta vez, na casa de Dona Santina. Todos já conheciam a maior parte da letra da música e alguns até a cantarolavam durante o dia de trabalho, repetindo trechos da sonora melodia.

Mas havia um detalhe. O disco do cantor paulistano era o único que acompanhara o desejado aparelho, e como todos queriam hospedar a anelada novidade, o conjunto de sonata e compacto mudava de casa a cada dia, fazendo com que todos ouvissem a mesma canção, já que o lado B do compacto não era apreciado por muitos.

— “Vige”, estou vendo que amanhã alguém terá que ir à mercearia da vila para comprar mais pilhas. — Falara Silena, a “jornalista” da fazenda.

Mais uma semana havia começado, e provavelmente todas as casas passariam pelo “rodízio”; João Carlos voltaria para levar a disputada sonata e todos retornariam aos seus afazeres de costume.