O defunto cumpridor das promessas

O defunto cumpridor das promessas (José Carlos de Bom Sucesso)

Em um velho ditado: “Promessa deverá ser cumprida”, o Velho Manoel assim o fez.

Na juventude, ele foi de tudo. Foi agricultor, caçador, motorista de caminhão, peão, guarda noturno, carvoeiro, guarda civil e se aposentou como funcionário público municipal, na função de pedreiro. Não se casou e teve pelo menos dois filhos, com duas mulheres diferentes. Ajudou-as como pôde, mas o baixo salário o fez cancelar muitos de seus planos. Morava no pequeno casebre comprado com o suor do trabalho. Mantinha-se vida humilde, mas o estopim muito curto. Sempre discutia com outras pessoas, principalmente assuntos relacionados com a política, com o futebol e sobre mulheres. Gostava de beber cerveja, mas não gostava de cachaça e nem de vinho. Comia muito bem e sempre estava se metendo em confusões.

Em uma destas confusões, conheceu Marcelo, dentista na cidade vizinha. Os dois sempre se encontravam no boteco da esquina, de propriedade do Sr. Nivaldo, por muitos anos foi vereador no município. Ali na mesa, comendo o melhor tira-gosto da cidade, bebendo cerveja gelada, em dados momentos, os dois discutiam. Falavam tão alto que outras pessoas pensavam que estavam brigando. Com o Joaquim, também a mesma coisa. O Pedro nem mesmo ia ao boteco, pois olhava de longe e se Manoel estivesse lá, de volta e meia, ele retornava para casa e dizia para a esposa que o caminho estava sujo, porque o causador de confusão estava lá. A esposa até agradecia, pois não gostava de ver o marido bêbado. Com o Júlio, com o Amâncio e outros mais.

O tempo foi passando. Quase todos os dias, uma nova confusão, pois Manoel estava envolvido.

Em uma destas confusões, Manoel disse, sem efeito de bebida, que quando morresse não deixaria ninguém tirar dele o anel, na cor vermelha, dentro algum símbolo estranho, que usava quando ainda criança. Dissera que era o anel mágico e a todos que lhe trazia raiva e algum constrangimento, o anel os amaldiçoava. Falou que o dentista iria morrer de acidente automobilístico. Previu que Nivaldo iria morrer atropelado por algum ônibus, que outros iriam morrer afogados e até sobrou para algum que pereceria em acidente aéreo.

Todos riram e criticavam daquela criatura. Ele apontava o anel para quem o debochava e falava bem sério:

- Pelo poder deste anel, determino que Nivaldo irá morrer atropelado por ônibus.

Da mesma forma, dizia para os outros. Só falava isto quando ainda estava em sã consciência. Quando embriagado, nem mesmo lembrava do que havia tido.

O tempo foi passando. Nivaldo aposentou-se e foi morar na capital com as filhas. O dentista também aposentou. Comprou casa na praia e para lá se mudou. Assim foram todos. Restou apenas o Manoel, que fazia novas amizades, porém brigava e era a mesma coisa. Anos e alguns anos pela frente, Manoel permanecia na mesma coisa. Ficou doente. Foi internado e veio a falecer no dia do aniversário da cidade onde morava. Alguns dos amigos, principalmente, Nivaldo, o dentista e outros que haviam mudado da cidade, ficaram sabendo da morte do amigo e foram prestar as últimas homenagens.

No velório, poucas eram as pessoas, mas alguns curiosos e pessoas estavam ali. Chegaram os antigos amigos. Cada qual com os olhos arregalados e cochichavam entre si sobre o anel no dedo do defunto. Procuram o coveiro e este lhes disse que tentou de tudo para tirar o anel do dedo do defunto Manoel, mas o referido anel não saia. O mesmo foi dito pelo o dono da funerária. Ele mencionou que foi forçando para tirar a joia, mas ouviu gemido do sucumbido e ficou com piedade, pois o anel, para o falecido, era o maior tesouro e nada podia fazer.

Nos momentos finais, os antigos amigos sempre diziam sobre as maldições e estavam receosos.

O velório terminou e todos voltaram para suas casas. Alguns meses se passaram e sempre os antigos amigos conversavam entre si e nas conversas eram analisadas as falas de Manoel.

Um, dois, três anos. O dentista foi viajar e seu carro envolveu-se em acidente. O resultado foi que o veículo capotou. Ele saiu e foi atropelado por ônibus. Morreu na hora. Nivaldo foi nadar. Sentiu câimbras pelo corpo e não resistiu. Afogou-se na própria piscina. Um por um. A promessa foi cumprida e até mesmo sobrou para o vereador mais antigo da cidade. Houve assalto a banco e o infeliz foi baleado.

Assim, todos os amigos do finado Manoel pereceram. Restou ainda um, o coveiro, que no final da noite, foi à sepultura e apoderou-se do anel de Manoel. Foi feliz, pois o vendeu por grande valor. Até hoje o sepultureiro ainda não morreu. Assim, alguma notícia de quem comprou o anel foi morto em assalto à joalheria.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 01/06/2024
Código do texto: T8076347
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.