E-mails não são cartas (2)
Jorges Barbosa <jorges.barbosa@recantodasletras.com>
16:00 (há 15 horas)
para desconhecido@recantodasletras.com
ontem, eu provei sorvete de doce de leite com paçoca. não era o meu sabor, mas tentei o novo. prefiro sabores cítricos, o meu favorito é de flores do bosque. há um azedinho que fica no fundinho da boca que faz eu lembrar de mim. tenho estado perdido, sem direção, sem respostas.
[digitando]
por que não me responde? é medo? é covardia? ou simplesmente, desinteresse? fará desse lugar um cemitério de memórias? assim como enterrou a minha carta? ontem li um artigo e vi essa frase: "nenhum mortal pode guardar um segredo. se seus lábios estiverem silenciosos, ele falará com a ponta dos dedos". estou te traindo quando aqui escrevo. confesso meus desejos, minhas fantasias.
[mensagem apagada]
o silêncio aquele dia na sorveteria agora será eternizado. nossos olhos entrecruzaram, nenhuma palavra foi dita. era o dia mais recíproco nosso. "eu sempre achei que o nosso lance iria durar", porém seus olhos anunciavam que os copos secavam. olhava-te de canto, sorrimos de nervosismo, entreguei toda a minha vulnerabilidade. você sabe que eu desarmei para que você ficasse. sempre soube que raposas são ariscas. sorvetes nunca foram tão amargos. nossos olhos se tornaram oceanos.
[mensagem não localizada]
eu acho que realmente te amei, não foi um instante. haviam planos. talvez eu te ame em segredo, talvez eu esteja com outro e ainda assim te amarei. talvez em outra vida o amor permaneça, porque "amar é uma companhia".
escrevo uma história que é mais fictícia que real.
[mensagem excluída]
o sorvete gerou epifania. quando atravessei a porta escutei um som familiar, odeio essa ideia de destino, porque naquele relampejar do tempo tocava "saudade" da karol conká. estou em looping. "saudade dói".
digitando...
todos os dias quero tomar sorvete de doce de leite com paçoca.
me lembrei do seu cheiro.