E-mails não são cartas (1)

Jorges Barbosa <jorges.barbosa@recantodasletras.com>

03:43 (há 8 horas)

para desconhecido@recantodasletras.com

tudo em mim dói. há dias que a espinha está presa em minha garganta, tenho respirado por uma sonda. fiz traqueotomia. olhei o sangue escorrendo, gota a gota, como se cada célula minha também esvaísse por aquela abertura.

[…]

você é egoísta, porque roubou meu riso, o levou em sua mala. tenho feito da minha escrita um nó, um emaranhado de palavras não ditas, mal-ditas e malditas. minha memória tem borrado estórias, não reconheço mais a distinção que separa as fronteiras, misturam-se dizeres meus com o de outros. tudo isso é efeito seu?

[digitando]…

…o silêncio…

[mensagem apagada]

você nunca olhou para trás, nunca perguntou como eu fiquei, ainda há resquícios da taça que quebrei, os cacos se misturaram, e nessa remodelação ficou um pedaço de vidro em mim, que corta diariamente a minha carne e me faz lembrar de ti.

o silêncio não é poético, é realista.

[…]

você me contaminou com o seu…

[mensagem apagada]

há 1 mês te digitei um e-mail, eram gracejos, brincadeirinhas, apaguei. não me castigue com o seu silêncio, isso é covardia. o silêncio ruidoso tem feito odiar-te, acordar nas madrugadas para vomitar no papel tornou-se ojeriza. por que depois do amor vem o rancor? não sei amar.

digitando…

estou enroscado. não me deixe no morno, isso me fere mais que as suas incertezas, vem de confronto, arranca pela raiz esse sentimento que não é mais seu, me deixe vagar, devolva meu sol. e vá...

[mensagem apagada]

desculpa pelo e-mail de ontem. hoje esqueço o seu nome, amanhã escrevo-te um poema.

Jorges Barbosa
Enviado por Jorges Barbosa em 25/05/2024
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