Desencontro

Desencontro (José Carlos de Bom Sucesso)

Dom Júlio, assim conhecido Júlio da Silva. O nobre empresário, com grande patrimônio. Casado com a fiel esposa, Dona Júlia, pai de dois filhos, os quais estudaram e foram trabalhar em outra cidade, em outro estado.

Figura nobre da sociedade. Nas empresas, ao todo eram quatro, trabalhavam muitas pessoas e era considerado ele como o melhor patrão. O passivo das empresas era o mínimo, pois as contas eram pagas rigorosamente em dia.

Assim foram bons anos. Patrimônio sempre aumentando. Os filhos foram crescendo, estudaram e foram morar em outras cidades, pois formaram na área médica e odontológica. A esposa, sempre feliz, dedicada ao lar e grande contribuidora do desenvolvimento cultural da cidade. Viviam muito felizes.

Como a felicidade perdura, a família ainda vivia em plena harmonia, mas tal feito foi interrompido quando Dom Júlio, certo dia, em entrevista de emprego, conheceu a jovem, meiga e carismática, a Senhorita Márcia. Jovem, recém formada em Administração. Com seus vinte e dois anos. Portadora de cabelos pretos, olhos verdes, de mais ou menos um metro e oitenta e poucos centímetros de altura, corpo esbelto e formatado em violão. Muito bonita, muito esperta e com ares de ambição empresarial.

Há uma semana de trabalho, ela, bem meiga e humilde, chegou para o patrão e disse:

- Senhor! Vou chamar-lhe de “benzinho”, pois sinto que anda muito solitário, muito carente, sem a presença de amor por parte da esposa.

- Quando está perto de mim, percebo que sua respiração está forte, muito forte, que às vezes penso que irá sofrer algum “troço”. Seu coração bate forte, seus olhos brilham como se quisessem explodir de alegria ou de paixão.

- Então, para que lhe deixe mais feliz, para que eu lhe deixe mais confiante, para que eu lhe transmita paz e felicidade, preciso de algum adiantamento salarial, pois preciso comprar roupas novas, para que eu fique mais linda, mais atraente tanto para você, quanto para negociações empresariais.

Dom Júlio ficou trêmulo com aquela conversa. Seu coração palpitava tanto e batia mais forte. As salivas secaram por algum momento e parecia que o mundo não estava mais debaixo dos pés. Ele flutuava feito personagens de desenhos animados. Enorme quantidade de suor era vista no rosto magro e barbeado. Para ele, nenhuma mulher havia dito aquela expressão tão linda, tão charmosa quanto Márcia. Nem mesmo José de Alencar havia escrito em sua obra “Senhora” lexemas lindes que ele ouvia da própria boca da funcionária.

Ela continuava a dizer e ainda mais atraia o coração do patrão.

- Roupas novas, mais atraentes, dão novo visual aos negócios empresariais. Clientes querem ver os executivos bem trajados, bem maquiados, enfim, bem bonitos. Assim, nossas empresas terão nichos econômicos mais agradáveis, mais promissores...

Ela ainda disse mais palavras, mas o coração do empresário estava balançando e estava em outro mundo. Via a nova funcionária como a nova estrela que aparecia no imenso universo ainda não explorado pelo homem. Pensou coisas diferentes, imaginou cenas agradáveis, cenas de amor, cenas de carinho e mais outras que somente a mente humana pode prever.

Márcia falou tanto em seu ouvido, bem baixinho, que mais parecia a verdadeira personagem de filmes clássicos românticos, de capítulos dos mais conceituados livros da vida real.

Ele, inesperadamente, levantou-se da cadeira. Coçando a cabeça, ajeitando-se a gravata, o paletó, disse:

- Quanto você precisa?

Ela, rapidamente e vendo o interesse da nova vítima, retrucou:

- Uns cinquenta mil reais são o suficiente para novas roupas, novo penteado, enfim, o inicio de nova era.

Parecia Dom Júlio estar sendo enfeitiçado por aquela nova elegante mulher. Esqueceu ele de tudo. Da família, nem mesmo se lembrava. Dos filhos, eles estavam fora de casa e pouco ali vinham. Da esposa, ele a via, naquele momento, como a famosa “Bruxa do Setenta e Um, personagem do seriado Chaves”. Então, a vida dele mudou naquele instante.

Tirou do bolso o talão de cheques. Não emitiu cinquenta mil, mas cem mil reais. Disse que era para comprar as melhores roupas. Ir aos shoppings, ao cabelereiro e muto mais.

Após aquele dia, a vida dele se transformou. Chegava tarde em casa. Não mais almoça, como de costume, com a esposa. Sempre tinha alguma desculpa para dizer. Ora era almoço com clientes, ora reuniões, enfim, toda desculpa para não estar com a esposa.

A esposa desconfiava, mas pensava que tudo aquilo era verdade do marido. Ficou surpresa quando ele disse que mudaria a sede das empresas para outra cidade mais próspera. Passou frequentar sua casa apenas uma vez por semana. Sempre vinha e pouco demorava. A esposa, porém, via aquilo como se fosse normal, pois era fiel a ele e muita confiança depositava no marido.

Certa vez a vizinha foi dizer-lhe que viu o marido acompanhado de uma moça nova, toda elegante, no melhor restaurante da Capital, mas ela ignorou a notícia e dizia que era almoço de negócios.

O tempo foi passando. Cheques e mais cheques eram emitidos e os saldos foram caindo nas contas bancárias. Os negócios não estavam indo bem. Fecharam eles várias filias. Ao longo do tempo, estava ele falido.

A esposa descobriu que ele tinha outra mulher, aquela que a vizinha lhe havia dito, uma concubina mais jovem do que ela, mais charmosa, mais carinhosa. De tristeza, entrou ela em depressão. Contou para os filhos e eles a levaram para morar com eles, sendo a avó mais linda e feliz de poder estar junto aos filhos e aos netos.

A vida foi passando. Márcia, em um belo dia, disse que não mais queria vê-lo, pois estava pobre, endividado. Não tinha mais dinheiro para bancar a vida dela. Arrumou outro, mais jovem, com fortuna e fama. Criou ela várias empresas e seu tino para administrar estava lhe rendendo muito dinheiro. Sumiu ela para o exterior e de lá passava a administrar todos os negócios de suas empresas. Até jatinho particular ela comprou.

Dom Júlio voltara à cidade. Pobre, mais envelhecido, endividado, sem amigos, sem nada. Na pequena quitinete que ainda sobrou do patrimônio, ele passou a viver, recebendo apenas a pequena pensão que Márcia depositava para ele mensalmente. Apenas um salário mínimo.

A depressão tomou-lhe conta. Em um domingo, o gari, ao recolher o lixo, viu pela janela Dom Júlio dependurado na trava da pequena varanda da cozinha. Na noite, deu ele fim a sua vida. Suicidou-se com a corda do varal.

No velório, apareceu um senhor moreno, vestido de roupas simples, calçado de sandálias, que no lado do caixão chorava muito. Mal podia ver as pessoas que visitavam o defunto, mas preocupavam com o choro daquele cidadão. Muitos pensavam ser algum irmão, algum parente ou algum grande amigo. O choro era tanto e preocupou a todos. Ele não dizia nada. Somente chorava. O choro mais triste e compassado daquele momento.

Na encomendação, foi preciso interromper várias vezes, pois o choro do cidadão estava incomodando.

O padre, bastante preocupado com aquela situação e para ele era de extrema importância, após sofrer nova interrupção na celebração, foi até ao indivíduo e perguntou:

- Filho! Por que choras tanto? Estou eu e as pessoas que aqui estão preocupados. Digas, por favor, pois sou teu melhor amigo...

O homem, tirando do bolso outro lenço e enxugando as lágrimas, disse:

- Este malvado que está dentro do caixão... Este infeliz, este ladrão...

Com aquelas palavras ditas por aquele cavaleiro, os que estavam ali presentes se assustaram. Foi alvoroço e o padre interrompe as admirações e disse:

- Silêncio, silencio! Vamos ouvir o que ele diz.

Então, o homem, já não chorando mais, retrucou:

- O infeliz que ali está é muito vagabundo. A alma dele está no inferno e de cabeça para baixo. Ele jamais terá meu perdão...

Mais uma vez as pessoas admiraram e ele continuou:

- O infeliz já está com o “Capeta”, porque eu emprestei cem mil reais para ele e o “danado, o vagabundo, o salafrário, o ***, tinha marcado que me pagaria no dia de hoje. Quando fui à casa dele para receber, recebi a notícia de que ele morreu.

- Então, estou chorando porque não mais receberei o dinheiro emprestado. Tomei este prejuízo e o dinheiro era para eu comprar minha casinha.

O sujeito saiu do velório e poucas foram as pessoas que ali ficaram. O coveiro teve que chamar algumas pessoas para enterrar “Dom Júlio”.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 18/05/2024
Código do texto: T8066092
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