A CAPELINHA DE TERTULIANO
Bons tempos eram aqueles em que aos sábados e domingos nos reuníamos na vendinha do bairro para adquirir alguns bens de que carecíamos em casa ou para prosear com os conhecidos e tomar um “mata-Bicho”, mesmo que fosse a pinguinha do alambica cebolão, fabricado ali mesmo no bairro, mas que passando pelo balcão da vendinha do seu Gumercindo, este era o nome do dono da venda, num copo americano, as vezes até desbocado pelo intenso uso, parecia ter mais sabor e descia macio goela abaixo.
Naquele ermo de meu Deus, a venda era o ponto de encontro mais próximo pois a cidade ficava a quilômetros de distância e para ela só recorríamos diante de uma necessidade muito grande, como no caso de doença grave que os benzedores da região não descem conta de curar, para registrar o nascimento de um filho, para receber da santa madre igreja o sacramento do matrimonio e por fim, uma ida macabra e sem volta, quando abotoavam o paletó de madeira e sermos carregados para outra moradia, a temida cidade dos pé junto.
A venda era o aconchego dos moradores daquele sertão inóspito, próximo a ela, a capelinha construída no alto do espigão, por ironia do destino, embora dedicado a Nossa Senhora Aparecida, muitos a conheciam como a Igrejinha do finado Tertuliano, não referindo ao Tertuliano presbítero de Cartago, mas a um homem de muita fé, conviveu aqui com os antepassados e morreu de uma morte natural, porem provocada pela fúria da natureza.
Conta-se que era meado da semana, Tertuliano juntamente com alguns de seus sobrinhos foram para a labuta diária, numa plantação de café que ficava no espigão da propriedade de seu irmão. Como a roça ficava distante da residência, lá construíram um ranchinho beira chão para o descanso no meio do dia, para guardarem suas ferramentas e ocasionalmente para proteger da chuva quando estavam trabalhando. Neste dia em especial, no meio da tarde formou um forte temporal e a água caiu abundantemente entre ventos, trovões que percorriam o céu e fazia estremecer a terra, relâmpagos e raios que clareavam a tarde escurecida pelas nuvens do temporal, os ventos brandaram, a chuva passou, porem os relâmpagos e trovões persistiram, dizem que em meio aos rapazes, existiam um molecote muito insuportável que de posse de um pedaço de ferro e uma pedra, estava a desafiar Deus, a cada relâmpago, batendo com o ferro na pedra, fazendo sair faísca, dizendo que Deus não podia fazer melhor do que ele.
Tertuliano sendo um homem temente a Deus, devoto de Nossa Senhora Aparecida ralhou por várias vezes com o molecote, mas vendo que ele não demonstrava qualquer respeito por ele, assim o velho Tertuliano saiu do rancho para não ficar entre os arruaceiros, e foi se esconder no oco de uma grande figueira já carcomida pela idade e por muitos fogos pela qual havia resistido bravamente.
Decorrido algum tempo de sua saída do rancho, quando a tempestade parecia ter passado, um grande clarão cortou o céu de alto a baixo, iluminou todo o rancho e um estrondo amedrontador ribombou no ar, fazendo eco nas cercanias, os rapazes se calaram, quando refeitos do susto daquele estrondo ensurdecedor, saíram fora do rancho e viram que o raio caiu exatamente no pé de figueira rachando- o e duas parte. Correram para lá e encontraram o corpo de Tertuliano carbonizado e já sem vida, estendido no chão, próximo do pé de figueira, onde foi construída a capela.