Cotovelada do Guru
A conselheira não aconselhava, só complicava. Queria o ofício pronto, dizia... e soprava no cangote do Guru:
- Já acabou, senhor? O Chefe quer isso pronto antes do meio-dia. Antes do meio-dia, entendeu? Noutro lugar que trabalhei, um funcionário voltou pro Brasil por incompetência.
O país vivia a ditadura, o funcionário público temia perder emprego. Ditadura não tem lei, é a vontade do ditador. Era só ser acusado de comunista ... e adeus trabalho e liberdade. Guru escutava , mas permanecia em silêncio.
O excelente datilógrafo, porém, não tinha sossego. De minuto a minuto, voltava a mulher com a mesma pergunta e ameaça. Guru errava, rasgava papel, botava outro, errava de novo, rasgava, botava outro ... A máquina de datilografia ia e vinha, barulhenta como um trem de ferro, trim trim trim. O Guru era um expert no teclado, mas a pressão não ajudava em nada.
Minutos depois, volta a mulher, de novo a mesma ladainha:
- Já terminou, já terminou? O chefe já está pedindo o ofício. É para o meio-dia. Para o meio-dia, entendeu?
Dessa vez, Guru perdeu a compostura e meteu-lhe uma cotovelada na boca, sem olhar pra trás. Voou um dente, e o sangue tingiu o rosto da mulher, o colarinho do agressor e a folha de papel.
Claro, violência pura. A conselheira foi socorrida pelos outros colegas.
Uns minutos depois, o Chefe o chamou para explicações. Nascido e criado na França, o Chefe carregava nos erres. Terminada a arguição, pediu para Guru confirmar o que tinha feito:
- O que o senhorrrr realmente fez?
- Dei-lhe uma cotovelada na boca.
- Só uma? Repita: Só uma? Querrro a verrrrdade? A verrrdade, a purra verdade, vous comprenez?
- Sim, entendo, foi só uma mesmo. Sei que não devia... Estou pronto para arcar com as consequências.
- Non, realmente o senhor não devia ter dado uma cotovelada... Foi um errrrrro, DEVIA TER DADO DUAS. Essa mulherrrr é ensoporrrrrrtable!