NÃO ESTRANHO DESEJO
No programa de rádio “Estranho Desejo”, líder de audiência, o apresentador, alternando com música, lia os estranhos desejos enviados pelos ouvintes. Então, naquele dia, após ter lido um desejo atípico reagiu: “Opa!”. O anônimo remetente, que dizia ser um homem solitário, se comprometia a doar noventa por cento de sua fortuna para os amigos. Afirmava que estaria às sete horas da manhã do dia seguinte nas escadarias da Igreja Aleluia para atar a promessa. O apresentador, ainda com o incomum desejo sob as vistas, pois as revelações dos desejos eram sempre embebidas de safadeza, brincou: “Então, gente, amanhã, a partir das sete horas, estejamos nas escadarias da Igreja Aleluia.” Mas, na manhã do dia seguinte, uma hora antes do horário prometido, a polícia e o socorro médico, enquanto aguardavam orientação dos superiores, olhavam para um homem literalmente estendido em um dos degraus das escadarias da Igreja Aleluia. Havia, supostamente, sido acometido de mal súbito. Estavam impressionados com a elegância do anônimo defunto. Barba feita e cabelos escovados. Do corpo exalava fragrância de bom perfume. Sapatos e meias. Calça e paletó. Camisa social e gravata de fino gosto monetário... Seria o milionário do programa “Estranho Desejo” que ali estaria para endossar a distribuição da riqueza que possuía? Os fiéis da missa matinal começam a surgir bem como outros indivíduos esperançosos de ter o nome incluído no rol dos herdeiros. Cada minuto que avançava mais esperançosos compareciam. Seus olhares eram lançados para o corpo, evidenciando que o defunto era desconhecido. Porém, nada diziam. A polícia começa a afastá-los. O pároco da igreja, ao visitar o local da fatalidade, após benzer o corpo, disse que as missas da manhã daquele dia seriam dedicadas à alma daquela “pomba azul”. Horas depois, o helicóptero de certa emissora de TV, que sobrevoou o local, mostrou a imensa concentração formada na praça da igreja e adjacências. Às dezesseis horas, o corpo foi removido sem ter sido identificado. Durante a remoção falava-se em páreo com os maiores velórios a céu aberto do país. Mas quem seria o defunto? Um astucioso pobretão sonhador. Colecionava, expostos nas paredes do quarto, fotos de vultuosos sepultamentos de personalidades.