Contos da Roça - Davy Almeida
Dizem que é tudo verdade, ou quase tudo.
Música (moda de viola):
“ o velho e a velha foram buscar água na bica, a velha escorregou e o
velho passou a p***”
Havia um homem velho nas regiões de Taiaçupeba que tinham um sitio
onde plantava caqui, alface, repolho e cebola. Havia também um pequeno
alambique. Entre um cusparada e outra no boteco do vilarejo o velho
gostava de contar os causos.
O caso do Pit Bull
Certa vez escapou um Pit Bull de uma chácara e mordeu uma criança. As
crianças estavam jogando bola na rua de terra do vilarejo. O velho ia
passando em seu carro uma Ford Berlinda quando viu a cena. Desceu do
carro, deu a cusparada de herói e deu um assobio. O velho gritou : “ vem
Totó ! Vem cachorrinho de madame ! Vem fio do cabrunco ! O cachorro
imediatamente veio para morder o idoso com suas pelancas balançando. O
velho pegou o cachorro pelo focinho e amarrou sua boca com o cinto que
segurava suas calças. Apenas com uma das mãos. Dizem que é tudo
verdade, ou quase tudo.
A onça Venceslau
lá para os lados da Pedra Branca região de selva, na goteira de Taiaçupeba.
Perto do sitio do velho João Valente havia uma onça que saiu de sua toca
para amedrontar os moradores da vila. ninguém podia sair de casa. A onça
tocava o terror. Todos aguardavam a policia ambiental. O velho foi cortar
capim no pasto e trazer para seu cavalo. Vinha ele com sua camionete
Chevrolet 1962 quando via a onça. Brava que nem filho da peste, nervosa
que nem filho do cabrunco. Arretada. O velho deu sua cusparada e o
assobio. Desceu da camionete. A onça mostrou os dentes. O velho mostrou
sua dentadura. Tirou a dentadura e mostrou sua boca sem dentes para a
onça. Velho : “ psi, psi, psi vem aqui bichano... psi, psi... gatinho”
O velho começou a gingar capoeira. Pegou a onça e deu um golpe de
judô na onça. O velho reconheceu a onça. Era Venceslau. A oncinha que
fora criada em seu sitio. A onça reconheceu o velho. A onça começou a
ronronar como fazem os felinos. E passar a cauda e a cabeça entre as
pernas do velho. O velho deu concelhos para Venceslau não sair de sua
toca na serra do mar e ir ao vilarejo. O velho pegou um balde com água e
deu a onça. A onça só queria beber água.... Dizem que é tudo verdade, ou
quase tudo.
O Chocalho das cascavel
andava o velho com um chocalho de uma cascavel pendurada nos pescoço.
Fumava ele fumo de corda e um cachimbo. Sempre dando a cusparada
tradicional. Andava o velho pelas matas procurando palmito quando um
grande cobra peçonhenta andava a espreita para morder o cara da terceira
idade. Só que o velho era ligeiro. Olha o barulhinho ! Ouviu ele o chocalho
da cascavel, pegou a pela cauda e com a outra mão lhe segurou a boca
pegou seu chocalho e a cobra a levou no instituto Butantan. O chocalho é
usado pelo velho para acompanhar suas cantigas e mandingas em
cerimonias religiosas. Dizem que é tudo verdade, ou quase tudo.
Segurança Pública
Andava o velho com suas pelancas balançando em seus braços. O diacho
do velho era forte e valente. Andava ele as vezes sem camisa mostrando os
muque, seu peito era coberto por cabelos brancos e grisalhos. O velho era
macho. Deixava ele um peixeira na cintura para eventuais acontecimentos.
Certa vez no armazém da vila, o armazém da família Moraes entrou dois
bandidos para roubar. Naquelas bandas os bandidos usam cavalos, nada de
motos ou carros. Negócio lá é cavalo. Os jagunços entraram com
espingardas fabricadas em 1938. nisso vinha o velho comprar um quarto
de café e meio quilo de açúcar, fiado como de costume.
Velho: “ que peste está acontecendo aqui nesta bodega? Quem são esses
malfeitores?”
Malfeitosa número 1 “ cala essa boca véio, a gente veio aqui fazer um
limpa no caixa”
Malfeitosa número 2 “ e vai passando o celular, velho das pelancas”
o velho deu cusparada tradicional e abriu a camisa estufando o peito.
Puxou sua peixeira enferrujada. Os bandidos deram dois tiros de
espingarda. Um tiro o velho o desvio com sua peixeira e pegou em um dos
bandidos. O outro bateu em um crucifixo que o velho tinha no pescoço.
Os bandidos correram com medo. Levantado poeira nas ruas de terra.
Jagunços: “ esse velho pelancudo tem o corpo fechado,vamos embora”
O dono do armazém o Senhor Moraes agradeceu e como agradecimento
deu ao velho uma trança de fumo de corda. Dizem que é tudo verdade, ou
quase tudo.
A feira
o velho ia vender seus produtos agrícolas na feira da cidade ia ele com sua
camionete 1962. depois de duas horas armava ele a barraca. Dizia ele os
dizeres dos feirantes : “ mulher bonita não paga, mas também não leva”
certa vez começou uma forte chuva durante a feira e alagou toda a cidade
Mugi, como de costume, quando chove forte naquelas bandas. O velho
aproveitou chuva para lavar as verduras. Colocou em prática as aulas de
natação. Ajudou a empurrar quatro carros e dois caminhões. Disse ao
prefeito para coletar água da chuva em cisterna, o velho não gostava de
desperdício. Na volta sua camionete apresentou problemas, talvez água no
motor.... o velho parou e fumou um cigarro caipira tomou uma dose da
marvada pinga foi empurrando sua camionete até seu sitio que para os
lados, nas bandas do Taiaçupeba. Dizem que é tudo verdade, ou quase
tudo. Talvez trinta por cento seja verdade....
De como o velho perdeu sua velha
conta o velho que depois de forte chuva ainda estava relampiando.
Relampiando para os leigos é relampejando. O velho deu conselhos a
velha para não sair. Disse ele para ela levar o chapéu de palha com pararaios
desenvolvido por ele. Só que velho é bicho teimoso e valente. A
velha saiu para ver as prantação de alface depois da chuva. Foi ela e seu
neto Genivaldinho. Caiu um raio e matou a velha. Nada aconteceu com a
criança. A velha fora eletrocutada por um raio. O netinho ficou chamando
a velha que não respondia. O velho ficou viúvo. Dizem que no velório a
velha dava choquinhos nas pessoas. Até que chegou alguém e colocou a
bateria de seu carro para recarregar. Afinal de contas energia elétrica não é
barato. Dizem que é tudo verdade, ou quase tudo.
Quem conversa muito dá bom dia aos cavalos
O velho não gostava de ir lá, mas aquele dia ele estava com vontade de
comer cocada. Dona Maria Conversadeira fazia umas cocadas muito
gostosas, além de paçocas. Só que ela tinha um defeito, falava muito. O
dia todo, o tempo todo. Até sozinha. No banho ou dormindo. Conversava
com porcos, vacas, galinhas legumes e verduras.
O velho pegou sua Ford Berlinda e foi lá comprar suas cocadas e guardálas
na suas compotas e compoteiras de 1878. o velho não gostava de gente
faladeira. Chegando no sitio bateu palmas. A velha da língua grande veio
atendê-lo. Já vinha ela conversando com os cachorros.
“ Boa tarde seu João Valente? Como vai? O dia está bonito hoje. Choveu
muito ontem. Seus netos estão bem? Como vai sua filha? Como vai o seu
sitio? Como estão os caqui? Está vendendo bem seus produtos na feira?
Como está a cidade? Faz tempo que não vou na cidade? Minha filha mora
na cidade, eu não gosto muito de cidade. O senhor sabe.... a gente fica
velho é que morar na roça,no interior. Quer a vida tranquila. Sem muito
barulho e sem muita gente. Meus ouvidos estão cansados. Só quero ouvir o
canto dos passarinhos. Eu já tenho quase setenta anos... meu negocio agora
é fazer e vender meus doces.....”
João Valente ( se benzendo e interrompendo) “ em nome de Jesus, bom
dia. Dona Maria Faladeira, eu só queria comprar cocadas, me vê doze da
cocada branca e doze da cocada preta e me mê vinte paçocas”
Maria Conversadeira: “ eu não sei porque me colocaram este apelido. Eu
nem gosto de falar. Moro sozinha. Eu vou pegar os doces para o senhor. Eu
gosto de cantar minhas cantigas. Mas falar eu? Moro sozinha. Vivi minha
vida toda sozinha. Todo mundo me abandonou. Converso com os bichos.
Eles me entendem. Faço meus doces. Essa é minha vida. Eu não preciso de
ninguém. Se alguém acha que eu falo muito, problema é da pessoa. Eu sou
eu, e você é você. Cada um na sua. Cada um tem seu jeito de ser. Deus fez
cada um de um jeito....”
João Valente: “ Ave Maria, tem misericórdia meu Deus.... só pega meus
doces pelo amor de Jesus...Dona Maria... eu estou com pressa.
Dona Maria: “ aqui estão seus doces. Tudo deu cinquenta reais.”
João Valente : “ além de falar muito agora deu para roubar? Açúcar tá
caro? Aumentou o preço, é inflação? O dinheiro está aqui”
Dona Maria: “ olha seu João Valente, com todo respeito que tenho pelo
senhor e por sua falecida esposa. Dona Jururu Valente, que morreu devido
ao relâmpago. Açúcar é caro. Coco é caro. Amendoim é caro. Meu
trabalho é caro. Na hora do senhor vender seus produtos o senhor acha
caro? Assim sou eu. Eu vendo meus doces há mais de quarenta anos. Todo
mundo no vilarejo até hoje compra meus doces. Até bares e restaurantes da
cidade vem aqui comprar meus doces. Meus doces é de qualidade. o
senhor sabe está escrito ai “ não contém glutém” não tem. É artesanal . É
vintage. Quer coisa barata? Faça você mesmo. Onde já se viu. Se você
bom você não vinha aqui comprar. Seus netos gostam dos meus doces. O
senhor gosta dos meus doces.... eu não estou me achando mas sou ótima
doceira e confeiteira.....”
João Valente: “ Ave Maria ! Parece que tem um motor na língua! Sua
língua não cansa de tanto falar? Eu vou embora. Foi por isso que seu
marido se matou.... não dá ! Meu Deus....”
Dona Maria: “ pega esse carro velho e sai das minhas propriedades, seu
velho ranzinza e pão duro. Vai tomar banho velho catingueiro. Vai cuidar
do seu sitio. Vai cuidar dos seus netos. Rapadura é doce mais não é mole.
De graça não tem nada. Vou fazer meus doces e ligar para minha filha. Vou
ter um dedinho de prosa com ela. Aquela ingrata tem cinco anos que não
vem aqui. Quero ver meus netos. Preciso terminar meus doces, o homem
do restaurante da cidade vem buscar a encomenda. Preciso trabalhar. Não
posso ficar batendo boca com gente velha. Velho caduco. Esses velhos são
todos iguais, andam bravos, com as calças caindo, ficam cuspindo no chão
e fumando esses cachimbos fedidos. Essa vida não é fácil.... cada um que
me aparece aqui.... vou carregar minha espingarda....
João valente: “ Ave Maria, cheia de graça... Pai nosso que estás nos céus...
Dizem que é tudo verdade, ou quase tudo.