Contos da periferia Davy Almeida
Contos da periferia
]Vamos ao parque de diversão
Após sair da missa. Tinha uma menina que gostava de mim. Ela tinha
depressão e outros problemas mentais. Ela tomava diazepan. Ela me falou:
- “ tenho cinco reais aqui? Quanto você tem doido? Queria ir dar um rolé
no parquinho”
- “ minha mãe me deu vinte reais para eu comprar duas cuecas novas na
loja do chinês, eu não gosto de usar cueca mesmo....” eu respondi
Fomos no parquinho. O parquinho itinerante. Brinquedos enferrujados. Os
brinquedos faziam um barulho estranho. Era adrenalina pura.
Fomos na roda gigante que ficou parada uns vinte minutos com falha
elétrica. Fomos no Camicaze onde vomitei. No carrinho de bate-bate me
cortei, me deram álcool por causa do tétano.
A retardada gostava de mim. Ela nunca casou. Ela tinha umas tremedeira
por causa do tarja preta que ela tomava. O psiquiatra falou que era normal.
E falou também que se alguém a engravidasse era mais doido que ela.
Ela era uma doidinha até bonitinha, depois de três copos de Maria-mole.
Fomos no carrossel. Os funcionários do parque fumavam maconha
enquanto operavam os brinquedos. Itaquá é terra da liberdade.
Para terminar fomos no brinquedo que girava muito chamador Amor
Expresso. Foi a partir dai que vi a importância de usar cueca. Entramos no
bagulho meio enferrujado. Cheiro forte de maconha. Quando percebi, a
trava de segurança não travou direito. O brinquedo já começou a girar.
- “ doida, nóis vai morrer !” a doida segurava em mim. Eu segura na doida.
O brinquedo girava e girava. Eu já estava todo cagado. Perdi uma calça
jeans nova. A doida vomitava. O brinquedo girava. Segurava nas laterais
do brinquedo, era tipo uma roda gigante horizontal. Sei lá. Esses
brinquedos do ano de 1972. quando o brinquedo parou. Eu já estava bem
louco e bem cagado. Riamos como drogados de LSD.
Com o que sobrou compramos duas maçãs do amor e dois algodões doces.
Eu cheguei em casa todo cagado. Minha mãe perguntou o que aconteceu.
Falei do ocorrido e que ia jogar a calça jeans no lixo. Mas ela me
repreendeu: “ jogar fora a calça jeans nova que eu te dei, não. Você vai
lavar. Você já tem 32 anos de idade. Eu não vou ficar comprando calça
jeans toda vez que você cagar nas calças. Tem que que lavar. Onde já se
viu.....pensa que dinheiro dá em árvore? E já é a quarta vez este mês que
você caga nas calças....”
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Não como mais goiaba
Eu estava saindo de uma balada bêbado como uma puta. Uns cara
estranhos me ofereceram carona. Eles estavam forçando a porta do carro.
Dizendo que a chave estava ruim. Quando entrei no carro o marginal me
falou: “ é playboy, negócio é o seguinte. Eu pego carro e você vai nos
ajudar a desmanchar este carro.” o vagabundo me mostrou a quadrada.
Eu pensei : “ puta, caralho fudeu ! Entrei numa fria”
me levaram para um galpão em Mugi. Chegando lá apareceram outros
marginais. Fui ajudando a levar portas e pneus. Coisa de dez minutos.
“quem esse cara?” perguntou um deles.
- “ esse vacilão veio de carona, playboy retardado mental”
- “ vai deixar ele sair vivo? Ele viu a gente e vai abrir o bico, vamos matar
esse bichinho da goiaba?
Eu caguei na hora. Soltou se meu intestino. Eu falei não que não ia falar
nada.
Um vagabundo colocou o ferro na minha cara e falou:
- “ bichinho da goiaba, você é um carinha legal. Se você abrir o bico a
gente mata você e sua família. A gente encontra você. Entendeu?
Me levaram de carro até a estação de trem de Mugi. Duas motos nos
seguiam.
Eu fiquei muitos dias assustado. Cortei o cabelo e joguei as roupas fora.
Uma jaqueta da Hard Rock Cafe. Eu tinha dezoito anos.
Fiquei dias com síndrome do panico e sem sair muito de casa.
Eu não queria mais comer goiaba, porque os bandidos me apelidaram de
bichinho da goiaba. Goiaba prende o intestino. Mamão solta. Só comia
mamão. Eu era um cagão. A partir deste fato que resolvi seguir a vida
religiosa. Fui convertido por um revolver.
Bom, goiaba não.
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Filosofia de moleque
Eu tinha uns doze anos. Cabulamos aula e fomos andar na cidade. Não
tínhamos dinheiro para comprar salgadinho, encontramos uma casa com
um pé de limão carregada de limão e pegamos todos os limões e
colocamos em nossas mochilas. Saímos vendendo limões pelas ruas e
conseguimos vinte reais. Gastamos o dinheiro com salgadinhos e fichas de
fliperama. Depois fomos na banca de revista. O Dú pegou muitas revistas
daquelas boas, revista de mulher pelada. Ficamos na praça vendo aquelas
mulheres bonitas.
Eu não entendia porque umas mulheres tinham cavanhaque e outras não.
Porque umas tinham peitos grandes e outras não. A vida era injusta. A
natureza era injusta. Porque umas tinham bundão e outras não? Por que o
céu é azul? Deixa pra lá. Ficamos lá vendo nossas revistas quando
chegaram moleques de rua que olhavam carros, flanelinhas e tomaram
nossas revistas. Ficamos na mão.... literalmente.... os moleques eram
maiores do que nós. Fumavam maconha e cheiravam cola. Eles não tinham
pai e mãe. Talvez tinham mas estavam presos. A gente era de família.
Menino de família. Travessos. De família mas travessos. Nós gostávamos
de ficar andando na ferrovia. Vendo o trem passar. Naquela época podia
andar na ferrovia.
Ficávamos fumando cigarro. Eu tossia muito. Meus pulmões eram muito
delicados. Falávamos das meninas, na aula de educação física. Qual era
mais bonita. Algumas tinham peitos grandes. A vida era injusta. Outras
tinham peitinhos pequenininhos. O que elas fizeram para merecer isto?
Porque a natureza é injusta? O silicone deixou o mundo mais justo. Agora
toda mulher tem peito grande e bunda grande. Nós não dependemos tanto
da natureza? Ou seria isto ilusão? Falávamos de tudo de família, religião,
professoras gostosas, trabalho, dinheiro, televisão e ciência. Falávamos de
peitos, pernas, bumbum e do resto. Jogávamos um negócio chamado tazzo,
e bolinha de gude. Pipas e futebol. Tudo parecia divertido. O mundo
parecia um parque de diversões para gente. Nada era perigoso. Tudo era
brincadeira. A gente era moleque. A gente não sabia o que era sofrimento e
nem quanto custava a vida. A gente tinha muita saúde e muita vida. É a
melhor fase da vida. Tudo é sonho. Tudo é felicidade e todo mundo parece
ser legal e gente boa. Os moleques pensam que são espertos, mas são
ingênuos. E toda essa ingenuidade é na verdade um perigo.
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Motoqueiro pelado
Meu sonho sempre foi andar pelado de moto e sentir o vento nas partes
íntimas e no bumbum. Certa vez estava voltando do meu trabalho de
entregador de marmita para empregados da construção civil, quando
começou forte chuva. Eu estava sem capa de chuva. Tirei toda a roupa e
sai pelado em cima de um moto. Tomando um chuva.
Os policia assim que me viram começaram a me perseguir. Eu já estava
com o cassetete na mão..... acelerei a lambreta. Fugi da policia.
Segui pelado na moto até minha casa. Onde nem tomei banho e fui dormir.
No outro dia, a cidade toda comentava do motoqueiro pelado.
Como eu estava de capacete ninguém me reconheceu. Tinha foto da minha
bunda em todos os jornais. Os gays queriam fotos do meu pinto.
O motoqueiro pelado ficou famoso no mundo todo. Levei 52 multas de
transito e tive de vender a moto. Me acharam por causa da placa da moto e
perdi a moto. Fui preso. Os australianos se comoveram com a minha causa
de andar pelado de moto e pagaram a fiança.
Eu gosto da Austrália de do seu povo. É um povo que valoriza a liberdade.
Hoje vivo aqui numa praia de nudismo na Austrália. Onde vendo água de
coco e sorvetes.
Não tenho merda no cú para cagar. Vivo como uma mão na frente e outra
atrás.
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Assalto com caco de vidro
A fome, a pobreza, as drogas e ruas de terra. Era assim a periferia da nobre
cidade de Mugi das Cruz. Não me corrija, é Mugi mesmo que o povo fala.
Era uma dez horas da matina. Já tinha dinheiro no ônibus. Entrou um nóia
com uma garrafa de pinga quebrada por baixo de uma jaleco. Colocou no
pescoço do cobrador e levou todo dinheiro. O cara tava drogado e com
fome. E marginal com fome é perigoso. A fome dá ódio. A fome é o que
move o ser humano para o trabalho ou para o crime. A fome deixa a gente
louco. O bandido fugiu. Estava com fome e foi comer um prato feito num
restaurante. Comeu, arrotou e peidou. Só que os policia estavam atrás do
vagaba. O safado foi dormir em uma calçada com boné na cara. Os policia
ia passando na rua. Rota na rua como dizia Maluf, puxando o “r”. porque é
chique puxar e esticar o “r” soa bem paulista falar assim. Sabe meu?
Os policia desconfiou. Policial : “ você parece o safado que roubou um
ônibus hoje de manhã, qual é Joe? O que faz aqui? Quem é você?”
Vagabundo: “ sou servente de pedreiro me deu o sono e resolvi descansar
aqui na calçada, tá ligado senhor? Não roubei ônibus senhor, sou
trabalhador?”
Policial: “ e esse dinheiro aqui?” algemou o vagabundo.
Vagabundo: “ senhor eu tava almoçando no restaurante da esquina....
pergunta para a dona ali....”
Policial: “ agora você vai comer três vezes ao dia e de graça. Na cadeia
tem comida gratuita, que moleza hein? Comer sem trabalhar?”
colocaram o vagabundo no táxi da policia. Dizem que até engordou
comendo sem trabalhar. Tipo politico. Comer sem trabalhar é um
privilégio restrito as elites deste vasto Brasil. Terra de Vera Cruz.
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A garrafa de Whisky
Naquela época quando o ônibus passava levantava uma poeira daquelas.
Você limpava a casa e logo já estava suja de pó, roupa no varal enchia de
poeira. Fome e rua de terra. Na rua eram três linhas de ônibus. A gente
comia com terra também era tempero. Rua de terra, fome e violência. A
trindade da periferia.
Certa vez uma cara de 17 anos queria beber um whisky e foi roubar na
padaria da velha Dona Marta. O cara já esteve na fundação casa umas
quatro vezes. Trombadinha e nóia. Ele se esqueceu que para roubar no
bairro precisava de autorização. Os outros ladrões não gostaram e foram
ter uma conversar com o camarada que estava no orelhão falando com a
mãe.
- “ tavá bom o whisky que você roubou da padaria da velha Marta?”
perguntou o marginal, capanga do chefe da biqueira.
- “ qual é a fita tio? O que te interessa?” disse o trombadinha de meia
tigela. Já puxando uma faca.
- “ dá tchau para sua mãe, pé de chinelo, fala tchau mamãe” e o capanga
sacou uma arma. Deu três tiros no rapaz que morreu no local.
O corpo ficou lá umas doze horas coberto o rosto com um saco preto de
lixo. Ladrão que rouba ladrão nem sempre tem cem anos de perdão.
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