Valei-me, meu Padre Cícero!
Seu Ribamar era casado de pouco com dona Lilamar. Foi um caso de amor desde criança. As famílias de ambos, no Lago do Junco, interior do Maranhão, eram amigas e não se opuseram ao casamento.
Logo vieram os filhos Riba Filho, Isinha, Leniara e Lenira. A casa encheu-se de alegria, mas o casal começou a perceber que o pequeno pomar, a hora, a casa de farinha e uma única vaca no terreiro não dariam conta de alimentar a família.
“Vou correr mundo, mulher! Vou enricar e trazer muito dinheiro para você e pros meninos! ”
Em lágrimas dona Lili e as crianças se despediram de seu Ribamar, que sumiu na poeira da estrada numa manhã de janeiro.
Os anos em que dona Lili labutou sozinha para criar os meninos não se passaram sem a dúvida: o marido voltaria ou formaria outra família, como era tão comum quando os maridos iam buscar uma vida melhor, esquecendo-se da mulher e dos filhos? Dona Lili, como se costumava dizer, foi pai e mãe, carinho e serveridade para que os filhos crescessem como gente de bem.
Passou muita falta. Tinha vez de comer apenas a farinha que ela mesma produzia na casa de farinha. Os vizinhos – os poucos que começavam a povoar aquela região – diziam que dona Lili era viúva de marido vivo ou morto, mas que seu Riba voltava era mais nunca pra aquele fim de mundo!
Ela se fazia de forte diante de qualquer situação, vizinho ou filho. E dizia que Riba estava em São Paulo juntando dinheiro e tava pertinho, bem pertinho de voltar. Nem ela acreditava nisso, mas ia vivendo a vida que Deus permitia.
De noite, quando os filhos estavam adormecidos nas suas redes, ela rezava baixinho: “Cuida, Riba, cuida.” Era a prece dela toda noite, banhada em lágrimas e alumiada pela luz fraca da lamparina.
Cinco anos se passaram. Os meninos já nem perguntavam pelo pai, mas dona Lili rezava toda noite com eles, antes de irem pra rede, pedindo à Virgem Maria e ao Padim Padi Çico Rumão(sic) que dessem força e vida pra que Riba voltasse logo.
Uma tarde, colheita de macaxeira boa, os meninos se aquietavam na rede enquanto Lili peneirava a goma pra fazer tapioca pra merenda quando se ouviram buzinas de caminhão, vozes, um rebuliço! Mas no meio das vozes uma era inconfundível para um coração apaixonado e esperançoso! Eram Riba, sim, eram ele! Finalmente suas preces foram ouvidas! O coração disparou, um calafrio correu-lhe o corpo e ela só conseguia dizer: “Obrigada, minha Virgem Maria e meu Padre Çico!” As crianças pularam da rede, dona Lili veio correndo limpando as mãos de goma no vestido surrado...
Lá estava Ribamar! Fica diferente essa gente que vai lá pras bandas da cidade grande e depois volta! Mas era ele mesmo! Abraçou demoradamente a mulher e todos os filhos! Cumprimentou o povo que se achegou ali na casa dele e que ele só conhecia alguns, depois de tantos anos! Na frente da casa uma carreta! Nunca o povo dali tinha visto uma!
E Ribamar gritou: “Eu voltei, Lili! Quase morri de saudade de você, das crianças e nosso lugarzinho! Mas eu cumpri o que prometi pra você e pros meninos! Passei 5 anos juntando dinheiro e comprei todo o tecido que deu nessa carreta que meu amigo Laureano veio dirigindo! Vou abrir três lojas: uma no Lago da Pedra, outra em Bacabal e até em São Luís! Vem, vem ver os panos que comprei, deve ter tecido de tudo quanto é cor pra fazer roupa!”
E foram tirando a lona da carreta e Ribamar emudecendo... Todo mundo que estava ali ficou espantando... Quando seu Ribamar comprou o carregamento de tecido estava tão feliz que esqueceu de ver o que estava comprando! E agora, o que fazer com tanto pano preto? Sim, a carreta todo só de tecido preto... Seu Ribamar só teve força pra ajoelhar e dizer, chorando: “Valei, meu Padim Padi Çico Rumão!"Todo mundo foi saindo, voltando pra casa, comentando a má sorte do véio Riba.
Três dias depois correu pelos quatro cantos no Nordeste a triste notícia que ninguém queria ouvir. Era dia 30 de julho de 1934. Morria, aos 90 anos, em Juazeiro do Norte, no Ceará, o Padre Cícero, herói e santo do povo nordestino, e o coração daquele povo, do mais humilde ao mais abastado, se encheu de luto, o que se refletiu nas roupas pretas que praticamente todo o Nordeste comprou e vestiu por pelo menos um mês de luto.
Até os dias de hoje corre pela região a história de como seu Ribamar Albuquerque enricou com a morte de Padre Cícero.