VIDA E MORTE DE QUINCA BELUDO
A luta pela vida é uma luta sem trégua.
Não adianta se amofinar ou apressar o passo, não adianta...
A melhor saída é a abstração. Vida, morte, vida, que se explodam!!!
Eu vou viver, ponto
Era assim que pensava Zé Sobejo.
Zé Sobejo já tinha sido atropelado três vezes. A Morte tentou selá-lo nestas oportunidades, mas Zé Sobejo pulou de banda, se escafedeu..
Autônomo à força (foi expulso do mercado de trabalho), hoje ele é catador de lixo na periferia, empurrando um carrinho de mão feito com caixão de geladeira usado, montado em cima de dois pneus de Vespa.
De possuído, Zé Sobejo só tem um esqueleto de bicicleta Monark sem pára-lamas, um freio manual, e que Zé Sobejo a chama de Pelada. É o seu bem-querer.
Quando dá na veneta, Zé Sobejo tira férias. Sai pelo mundo, sem rumo, montado na Pelada.
E foi, num destes surtos, que Zé Sobejo se enveredou pelos cafundós do sertão agreste do nordeste cearense, à procura de situações inusitadas, de deixá-lo estuporado, de cabelo em pé, por conta das estripulias arquitetadas pela vida, fabricadas e vividas pelos seres viventes de duas pernas.
Dentre tantas, escolho uma para relatar, trazer à baila, ao conhecimento de todos.
Zé Sobejo, conheceu Quinca Beludo por acaso e por curiosidade.
Estava Zé Sobejo trafegando, montado na Pelada, numa estrada carroçal quando deparou-se com aquele senhor de cabelos, bigode e barba brancos, metido numa camiseta de meia branca cavada, e calça de mescla azul surrada, arregaçada até à altura do joelho, cavando na beira de um brejo com um enxadeco.
_ Bom dia, meu senhor, cumprimentou Zé Sobejo.
O ancião vira-se para ele em câmera lenta e devolve o cumprimento:
_ Bom dia...
Zé Sobejo puxa conversa.
_ Eu sou Zé Sobejo. Ando à procura de um abrigo, uma casa aonde possa me hospedar, pois pretendo passar uns dias por aqui.
O Sêo Quinca Beludo encarou Zé Sobejo mais uma vez e orientou-o:
_ Siga pela estrada. Quano chegá na encruziada, drobe à esquerda e na premêra casa alpendrada qui incontrá procure a Mazé e diga que foi o Quinca Beludo qui mandô procurá ela...
_ Obrigado, Sêo Quinca, agradeceu Zé Sobejo e lá foi ele atrás da Mazé.
Chegando na casa de alpendre, Zé Sobejo deparou-se com uma mulher morena varrendo o terreiro.
- Bom dia, senhora...
A mulher encarando-o de alto abaixo, respondeu:
_ Bom dia...
_ Queria falar com Dona Mazé, retrucou Zé Sobejo.
_ Mazé, sou eu, diga o qui vosmicê qué respondeu Mazé no peibufo.
_ Bem, eu me encontrei com Sêo Quinca Beludo e ele me mandou procurar a senhora, pois pretendo me arranchar por uns dias...
Ela o olhou de novo de alto abaixo e respondeu de forma direta:
_ A diára é cinquenta pau com direito a café, almoço e janta e dormida, mas tem um porém: pagamento adiantado e se sair antes de completá a semana, num tem devolução do dinhêro pago.
Zé Sobejo olhou pra ela, fez um sorriso e ela mais séria que cú de touro, perguntou:
_ Cumaé, vai ficá ou não?
Zé Sobejo riu de novo e assentiu: vou ficar, sim.
_ Intão venha, disse Mazé, colocando a vassoura sobre o ombro.
Resumindo a história.
Quando foi à noite, Sêo Quinca Beludo aconteceu na pousada.
Zé Sobejo estava no alpendre e o saudou, se sentando num banco feito de um tronco de carnaubeira.
A Mazé veio juntar-se a eles.
_ E aí, Quinca, cuma foi o teu dia, perguntou Mazé.
Sêo Quinca Beludo respondeu desenxavido:
_ Do mermo jeito de onte...
A Mazé riu, já retrucando:
_ Você é muito avexado, homi. você tá é se agourano...
_ Se agourando? Disse Zé Sobejo, entrando na conversa.
_ Sim, respondeu Mazé. Esse cabra véi, completô 100 ano, já faiz mais de cinco ano, ele foi lá no Zécarpintêro, e mandô fazê um caxão pra ele. Agora ele taí... Dorme toda noite dentro do caixão, amortaiado, com quato vela acesa ao redor dele.
Zé Sobejo, boquiaberto, olha pra Sêo Quinca Beludo, já perguntando:
_ É verdade, Sêo Quinca?
Sêo Quinca Beludo olha para Zé Sobejo e fala com voz arrastada:
_ Num qero sê peso morto prá ninguém...
Mazé olha pro Quinca Beludo e dá um muxôxo.
_ Ele é avexado dimais. Adispois dessa arrumação, ele já interrô pra mais de déiz...