O BREVE RELATO DE GONÇALVES SOBRE A LENDA DO HOMEM DA LADEIRA VELHA
Uma visão bastante bela, num horizonte iluminado e quase translúcido se dissolve o céu, vindo a cobrir, como um lençol, o campo com a estrada que passa pela Fazenda até a ladeira velha. Uma subida íngreme, mas não muito acidentada, com uma curva fechada em seu topo, rodeada por uma floresta densa de mata atlântica, com muito pouco movimento, já que a Fazenda já não é mais habitada e as intermináveis lendas que povoam o imaginário de quem conheceu a Ladeira Velha já não chega mais no ouvido da geração mais nova.
Escutei eu, uma vez, a sair da boca de um tal Gonçalvez, vendedor de querosene e fumante ativo, que a lenda do homem morto da ladeira velha tem a sua base e verdade. Sobre a causa do homem ser findado, uns dizem ser acidente com carro de boi, outros ciclomotores envelhecidos ou até mesmo de um suposto mal súbito que acometera tal homem sem-nome eu já escutei. Mas as palavras de Gonçalvez passaram cortando pela feira, em pleno sábado, como uma flecha.
- É que dizem que ele tem a lua na cabeça. Que você não pode oiá pra ele, quando vê tem que descer a ladeira de mansinho e correr desembestado. Mas eu descobri que ele tem é a cabeça de lua. Um tumor inchado ou pancada muito forte deram no cabra. Tava descendo a ladeira de noitinha quando vi essa alma penada subindo, bem devagarzinho, já sem força. Era o homem da cabeça enorme da ladeira velha. Parecendo que engoliu a lua.
Terminei de tomar meu trago e fui para a casa. As palavras ainda ecoavam em minha cabeça. Quando chegou à noite, eu me encontrava sozinho naquela casa antiga, assombrada agora não só mais pelos meus fantasmas, mas pelo de Gonçalvez também.
Ainda hei de encomendar uma missa para o homem morto na ladeira velha.