O Velho Causista

O VELHO CAUSISTA

Mincê me adiscurpe eu vou começar minhas cunversa contando meus causos que eu ouvi dos mais velhos; vossa sîoria muito bem sabe que essas istórias são antiga, antiga, mais velhas tarvez que o mundo, se não for lá munto aumento meu, porque o mundo é mais velho que tudo, só não é mais velho que Deus, que ele me perdoe de chamar ele de velho, porque velho mesmo é o Diabo, que mora nos infernos e não tem vergonha de subir na terra para vim tentar o homem. Bicho mais trevessado é nois gente, somo cheio de tudo quanto é coisa, ruim e boa, mais ruim que mesmo boa, porque de tudo quanto não presta o mundo tá cheio, de tudo que é bom cheio tá também, mais de menos e com mais dificuldade. Sei dizer que é uma embolada, uma novela, das arte das pessoa. É... meu fio!... A vida é tão curta, de uma curteza de fazer dó, porque tem tanta coisa boa e tanta coisa de ruindade, também. É que essas coisas de ruindade a gente deve deixar prá lá, porque senão o capeta toma conta e faz as mardades entrar dentro do coração da gente e elas quando entram dominam toda a nossa vida e o que é certo que depois a gente já não sabe mais se tá fazendo o bom ou o errado. Sastifação, oiá pra trás e ver a vida que a gente viveu, dá tristeza tomem, sodade, lembrança, dos tempo bom, cono a gente se é novo, forte, bonito, tudo é muito mais mió, mais fáci, a gente num tem medo de nada. Apois, seu moço, eu que aqui vi coisa dimais, só fico só a maginar o tamanhão desse mundo de meu Deus, mundo véio sem porteira, tanto desbandaio, sô, tanta desgraceira. Oia! Tá ouvino? Isso é uma rolinha fogo pagou. Isso é remosa! É penosa, é dengosa! Ela canta assim cum essa dor desde que o mundo é mundo. Bem, me adiscupe, diz os mais velhos que foi ela quem botou o primeiro ovo... pois bem, era assim, não tinha nada, só escuridão, e intão a rolinha oiou, ficou bem tristezinha, chorou, chorou, lamentou e ficou no seu cantinho escuro encolhida se aquecendo com suas asinhas e aí começou a passar um vento mais forte e ela arregalou seus oio assim oiano de lado, virando a cabeça prá ver de um canto, virando de outro, parrando, parrando. E aí ela viu, mais quase não viu e vendo não vendo descobriu que tinha uma pessoa fora ela nessa escuridão e pediu a ela que fizesse mais arguma coisa que ela não aguentava ficar sozinha nessa mensidão toda e intão ela sentiu uma coisa solta na barriga dela e viu sair um ovo muito grande e quando esse ovo estourou saiu uma aguazona e cobriu tudo, mais a água era fria, fria, chegou a gelar tudo. Intonces, meu fio, apareceu um isquentamento e foi isquentano e isquentou tanto que chegou uma hora qui tudo tava pegano fogo e quando a rolinha viu aquele fogozão todo, ela se alembrou do vento e começou a gritar ansim: Vento fogo paga! Vento fogo paga! Mais meu fio, veio um ventão tão forte qui levou o mundo prá lá, levou o mundo prá cá, a rolinha vôou dentro dele de um canto prá outro e de outro prá um canto e quando ela abriu os oio tava uma belezura de mundo, pois aí ela gritou: Fogo pagou! Fogo pagou! Mas com o tempo o mundo não ficou essa belezura o tempo todo e quando ele foi ficano mais pior a rolinha foi ficano mais triste e mais triste e continuou gritano: Fogo pagou, fogo pagou! De tão triste, por ver qui o ovo dela tinha tanta coisa misturada! É!...Meu fio! Mais tá me dano uma fome cum esse cunversê todo, eu vou ver se acho um pouco de farinha, de feijão cum arroz e um pedacinho de carne, é servido? Sei que mincê tombém já tem seus estomos gritano e a farinha, o feijão e a carne dá muito bem para ser dividido, se um ficar sastifeito, o outro tomem fica, se um ficar com fome, o outro tomem fica....Essa carninha tá é boa, Mãe de Deus. Dá até dó de comer ela. Num sabe, meu fio, essa carne era da vaca Perata, minha vaquinha de estimação. Criei ela desde cono nasceu inté ficar véinha, véinha; mim deu munto leite prá eu tomar e dar prá meus fio e meus neto, deu munta cria, tanto bezerro bunito, que Deus benza, mas agora que se há de fazer, já tava véia demais, ia morrer mermo! Deu inté vontade de deixar ela morrer pur ela, mas num dianta, se morresse pur ela mermo, a terra ia cumer! Entonce, é munto mió nois cumer que só a terra, purque a terra vai cumer a gente tomem, mais a gente vai alimentado, num é mermo! Diz que hai um país lá pelas istranja qui eles num mata animá gado não, deixa morrer de morte murrida, porque é o deus deles. Crê em Deus Padre! Cruz Credo! Onde já se viu, adorar animá vivo, deixar de cumer essa carne gostosa. O mundo tem umas coisa doida! O soli hoje tá tinino! Tá veno só o quenturão. Ninguém aguenta cumer sem tomar munta água nesse meio dia em pino. Oia! Oia! Lá vem redemonho! Tem qui se gritar, meu fio ansim: Aqui tem Maria! Vento é coisa alevantada pelo demo, se mincê reparar bem a primera coisa que ele faz é alevantar a saia das miué, vem logo cum ousadia, puxando prá imoralidade. Oia só a roda que se vem fazendo, o terreiro tá ficando que é pueira e paia pura. Nossa Sîora, Jesus Cristo, Nosso Siô, ataie a coisa ruim. Nele tem saci, caipora, espírito da mata, rumãozinho. Cum licença da sua parte vou fechar aqui janela e porta, deixar o vento rodar, rodar e ir-se imbora. Vai-te imbora, trem ruim! Onde já se viu? Tá cochilando, meu fio! Mas óia só! Dispois que se come, dá u’a soneira! Sono é bicho bom! É uma hora mió da vida! É cono a gente se isquece das disgraceira da vida. Ruim é cono se sonha com a pesadeira. Meu fio, cono a pesadeira pega é probrema! Diz os mais véio que a pesadeira é um menino que pega a gente e engargela o pescoço e quer matar. Minino é trem do cão, óia meu fio, minino tem arte e discobre coisa qui só eles mermo. Diz-que uma certa feita tinha uma moça que só quiria se casar com um home mais bunito em riba do mundo e moço ninhum sirvia prá ela, era tudo uns feioso, cono num era feioso, era pobre, pois bem só se casava cum moço vistoso e rico e inda era assim, tinha de ter o cavalo mais bunito que se tivesse visto, uma sela brilhante que só ouro. Crê em Deus Padre, Virge Nossa Sîora, munta vaidade. Pois era! Munto zigente, de u'a zigença que nun tinha mais tamanho. Entonce, chegava um, era rico, mas nun sirvia pras buniteza dela, chegava ôtro, era de buniteza, mas nun tinha tudo qui ela zigia. Era um caso e foi ficano tardante, ela ficano mais de idade e os tempo foi dizeno da sua chegança, purque tempo meu fio, vem chegano, vem chegano, vai se passano, vai se passando, ninguém nun se vê, cono se abre os óio, já se passou o dia, já se passou o mês, já se passou o ano e os ano tudo, até se ficar véinho, véinho. Mas tu tá sem paciência, quer tirminar de ouvir o caso, é ansim, meu fio, a gente cumeça a contar os caso e dispois vai dizeno um bando de coisa, vai imendano tudo...Discurpe eu dar essa rizadona toda, é qui se tu der corda prá eu, eu cunverso, cunverso, gosto de tá proseano, proseano, prosa é u'a coisa munto boa, a gente se isquece das amargura da vida. Tu quer arguma bebida, bebe arguma coisa, tenho cá uma cachaça da boa, mas se vosmincê não gostar de cachaça tenho cá um licor de casca de tangerina feito por D. Pina. Cunhece D. Pina? Não? Não cunhece? Pois sim, sinhô, seu moço, D. Pina é u'a preta véia munto boa... Mais mió ainda cono era muderna, cê intende, né meu fio, cono se é moço...Êta, se tem u'as lembrança de munto desbandaio. Ela hoje é viúva de Chico Porqueira. Se nun quiser bibida forte tenho aqui um refresco. Intão, cumo eu ia dizeno, a danada da moça só quiria moço bonito e rico e um certo dia chegou no arraiá um cabra munto bonito e com ares de munto rico e logo pegou de amizade cum a escolhedeira, de certo que já sabia das preferenciacão da zigente e pegou de namoro e andava prá lá e prá cá cum seu cavalo, sela toda de ouro, dente de ouro, uma belezura que Deus benza, Deus me perdoe, porque nem de benzeção o moço abelezado gostava, pois sim sinhô, teve u'a festança lá p'aquelas bandas e lá vai dançação e alegriona e tudo munto bom, tudo um prazerzão só, cono uns minino discubriro que o tar bunitão tinha era os pé redondo, sabe quem era, meu fio, era o Diabo, Cruz Credo, Crê em Deus Padre. Viu aí esse negócio de querer só rapaz munto do bunito, pois sim, ora, ora. Gente é gente, tem os que é de bom e os que é de ruim, né mesmo? Nun pode enzistir um ninguém ansim da perfeição, só Nosso Sinhô Jesus Cristo, que mesmo ansim era pobre que só Jó, vivia prá cima e prá baixo de pé ou cono munto num jumentinho. Tu já viu u'a coisa dessa? Lá vai passano um minino danado fazeno traquinagem, ou moleque desembestado, esse é um destinado. Vai jogano sua bolinha, tadinho, num sabe nada dessa vida ingrata, num sabe o que espera ele nessa vidona pela frente, pode crer, munto probrema purque esse mundo é u’a bola qui vai rodano, rodano e nois tudo dento dele rodano tombém, prá lá e prá cá. A gente num intende nada, meu fio, as coisa muda, se o mundo dá munta vorta. Diz-que inzistia há munto tempo um rêis qui tinha um fio qui era amigo de um ôtro pobre, esse rêis quis mandá o fio para istudar in ôtro lugar, mais o fio disse qui só ia se seu amigo fosse e incanfifou e o rêis teve qui ir falar cum o pai do amigo, o pai disse qui o fio num ia, purque o rêis tinha dîero prá cono fosse buscar o fio pagar a iscola e ele num tinha, o rêis intão garantiu que pagava a do príncipe e a do súdito. O pai deixou e foi os dois istudar, só qui o fio do rêis cuma tinha munto dîero cumeçou a gastar cum festas e muié e o amigo dele apruveitou a portunidade e cumeçou a istudar. Pois bem, cono vortaram, o fio do rêis vortou mais burro e o amigo dotô. Só que o rêis nun aceitou qui o fio fosse burro e o ôtro rapaz intiligente. Intão o rêis dicidiu matar o rapaz sabido e inventou um mutivo, chamou o condenado e disse, óia, daqui a tantos dia tu tem qui vortá aqui e mi dizer quanto pesa a lua, onde é o meio do mundo e o qui é qui eu tou pensando no momento. O cabra foi prá casa istudou in todos os livros qui tinha e nun incontrou nada. Acontece qui ele tinha um irmão mabaço qui era doidinho e o irmão ficou perguntano o qui ele tinha qui tava andano triste, ele disse, pois se eu procurei in todo livro nun incontrei a resposta, nun vai ser tu qui vai me dizer e pur muito insistir ele disse qui o rêis quiria matar ele e cumo já tava morto contou o sucedido ao irmão; o irmão intão disse qui era prá eles trocar de vida, um ficar cum as roupa do outro e viver cumo o outro e ansim fizeram. Cono foi na é’pa de o dotô se apresentar ao rêis lá foi ele e cono o rêis perguntou quanto pesa a lua, ele disse qui a lua pesava mil quilo, aí o rêis mandou prender ele e ele disse, péra aí, num me prenda agora não, prá me prender tem qui provar qui a lua num pesa isso, tem qui pesar ela, intão os sábios dos rêis dissero, é seu rêis, qui a lua num pesa mil quilo, nóis já sabe, mais qui nun se pode ter u’a balança prá pesar a lua, o rêis teve qui concordar e perguntou onde era o meio do mundo, o doidinho andou um pouquinho e disse qui o meio do mundo era no meio do palácio do rêis, o rêis mandou prender e ele disse, óia seu rêis, prá me prender tem qui ter um compasso do tamanho do mundo prá ver onde ficava o meio dele e os sábios do rêis disse que ele tinha razão e intão o rêis perguntou o qui ele tava pensano agora, ele respondeu, o sîo tá pensano qui tá falano cum um dotô mais tá falano é cum um doidinho. É meu fio, hai muntas histórias qui acunteceram e qui num foram contadas, é poucas as qui nois chegamo a saber, dizem que num importa a história, o que é importante é cuma ela é contada, mais eu acho meu fio qui a história é importante, ela tem muntas coisas a ensinar a gente.

Rodison Roberto Santos

São Paulo, 2004

Rodison Roberto Santos
Enviado por Rodison Roberto Santos em 09/02/2024
Código do texto: T7995182
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.