Praga de mãe
Se alguém sabia o que aconteceu de verdade, morreu sem contar pra ninguém. O que todo mundo dizia era que o diabo tinha levado o corpo do desgraçado, e que assim aconteceu:
Princípios do século vinte, na região de Blumenau, Santa Catarina, numa colônia de italianos, povo católico raiz, quando alguma coisa dava errado era comum o cristão explodir e desfiar "blasfêmias" tipo "maledeto", "porca pipa", "porco diaulo", "xacramento", "...", chegando às vezes a palavras bem pesadas como "porca Madona", "porco Dio" e a corruptela "Orco Dio", como se essa alteração tivesse o poder de perdoar o pecado de chamar Deus de porco. Um dia alguém vai escrever um livro de História sobre esse vício em particular, porque a criatividade da italianada na hora de "bastiemare" era antológica.
Mas era tudo da boca pra fora, porque depois da explosão de raiva vinha o arrependimento e até a confissão ao padre, antes de comungar na missa de domingo.
No entanto, teve um caso que ficou falado durante décadas, porque o Bepo - vamos fazer de contas que esse era o seu nome - xingava pra valer. Amaldiçoava qualquer criatura existente entre o sétimo céu e o quinto inferno, e não se esquecia de vituperar também o Criador.
Bepo tinha câncer e quando as dores o atacavam sua morfina era blasfemar a plenos pulmões, disparando uma coleção de palavrões e frases que faziam corar até o satanás.
A mãe dele, coitada, ficava com o coração apertado e tentava consolar o filho mau, mas este não tinha jeito. Um dia, cansada de tanto chamar a atenção do infeliz, ela perdeu a paciência e falou pra ele a mais pura verdade: "Ferma de bastiemare, Santa Madonna, che il diáulo vene torte le" (Pára de blasfemar, Santa Nossa Senhora, que o diabo vem te pegar.)
Todo mundo sabe o quanto uma praga de mãe é terrível, a pior possível.
E câncer é doença terrível, pior naquela época quando não tinha cura de jeito nenhum, e Bepo morreu.
Bepo morreu e o corpo dele sumiu. Desapareceu. Ninguém conseguiu encontrar. Como fazer o enterro? Colocaram um talo de bananeira no caixão, pregaram a tampa e assim os familiares levaram o blasfemo - simbolicamente - para sua última morada. O corpo, satanás em pessoa se encarregou de levar pro inferno. Não tinha outra explicação.
Se non è vero, lè bene trovato.