E AGORA JOSÉ, PARA ONDE?
Quando José veio ao mundo, lá na tão distante metade dos anos cinquenta, era ele um legítimo representante do baby boom, revelando uma fotografia daquele nosso país, muito diferente da atual realidade. A população, então majoritariamente rural, tinha mais de 70% de seus habitantes, ainda vivendo de forma precária no campo. Então, nascer num grande centro era privilégio para poucos.
A fecundidade, até então se mantinha em patamar alto, enquanto a mortalidade seguia essa mesma tendência, porém, subitamente conheceu pela primeira vez uma quebra de paradigma, função da rápida e eficaz disseminação de antibióticos e vacinas, que salvaram da morte precoce, essas ainda frágeis criaturinhas.
No campo educacional, nossa nação continental persistia grande territorialmente, mas diminuta, se o assunto fosse escolaridade de seus cidadãos, ainda patinando entre a baixa escolaridade e o analfabetismo.
Olhávamos para nossos vizinhos do sul com uma inveja danada, pois tanto o pequenino Uruguai, quanto a então glamorosa Argentina, e seus ares europeus, fazia tempo, exterminara de seus territórios a chaga do analfabetismo.
Nosso protagonista, o José, nasceu num lar de pais, com pouco tempo de permanência em bancos escolares, naquele momento, acesso à saúde, e muito menos à educação, se mantinham como privilégio de poucos, universalizar estes serviços não fazia parte da pauta da elite, que governava o país. Em outras palavras, essa criatura, que sequer nascera em berço esplêndido, efetivamente não contaria com um futuro promissor, felizmente contrariou a lógica, e superou obstáculos, que insistiam em tentar embarreirar seu caminho. Venceu o mais forte!
Parecia até, que José fazia parte da propaganda oficial da junta militar, que governava o país, prometendo para um futuro próximo, solução para todos os problemas, que impediam o Brasil de tornar-se uma respeitada nação, no já conturbado cenário internacional. Tudo não passava de um engodo, que visava ludibriar a população, pois aquele bolo que diziam precisar ainda crescer, para então ser dividido, já fora integralmente devorado na caserna.
Hoje, do alto dos seus quase 70 anos, esse personagem teve a felicidade de trilhar experiências educacionais exitosas, que se prolongaram também no exercício profissional como servidor público municipal. Ele foi fruto de uma época, que tratava o professor com reverência, e um respeito, que se aproximava muito, daquele dedicado aos pais, dentro casa.
Embora a educação ainda não estivesse universalizada, os que conseguiam sua vaga em instituição pública, pelo menos em tese, receberiam uma formação de qualidade, mesmo sob um regime autoritário, que ainda se perpetuou por longos vinte anos de exceção.
Esse distanciamento em relação aos mestres, claro, contava com pontos positivos e negativos também. Neste momento, todos tinham consciência de que a educação formal era dever da família, cabendo à escola exercer seu papel de direito, a educação formal.
Uma realidade muito diferente da vivenciada pela educação na atualidade, onde o processo de universalização do ensino apenas deu certo, quando você pensa na quantidade de vagas ofertadas.
Com o passar das décadas, a qualidade da educação pública foi deixada para trás, principalmente na fase conhecida como educação básica. Enquanto isso, nas escolas privadas, o aluno perdeu as características de estudante, agora exerce o papel hegemônico de cliente, e você caro leitor, sabe muito bem, que “cliente tem sempre razão”.
Para piorar o que não estava lá grande coisa, hoje o ensino privado se transformou em negócio, visando descaradamente o lucro. Assim, escolas de porte variado, vão sendo adquiridas por grandes grupos, que pasteurizam o ensino, enquanto passam a cobrar mensalidades abusivas de seus clientes, enquanto reverte para seus funcionários, o mínimo possível, com ênfase para a classe dos mestres. Uma classe hoje preterida, função das muitas exigências atrelada à baixa remuneração.
Na vida conturbada das grandes cidades, pais que arcam com pesadas cargas de trabalho e mensalidades que se apropriam de boa parte de seus ganhos, entenderam que escolas deveriam se responsabilizar, não apenas pela educação formal, a informal também deveria constar de sua obrigação. Não precisa de muita análise de fatos, para descobrir o que acontecerá no futuro, com a formação de nossos jovens, ou ainda existe alguma dúvida?
Por sorte de José, e claro muito foco, ele conseguiu concluir sua trajetória acadêmica em instituições públicas de referência, variando apenas esferas de governo, desde o então Jardim de Infância ao ensino médio passado em instituições federais, a posterior graduação concluída no âmbito estadual e finalmente retornando à esfera federal no mestrado.
Em sua vida profissional de servidor público municipal, instância mais próxima da população, teve oportunidade de vivenciar gestões de prefeitos e da constante troca de bancadas da Câmara Municipal, sendo assim possível acompanhar a contínua queda na integridade, desses representantes legitimamente eleitos, na segunda cidade mais populosa do país.
A princípio, não conseguia entender como aquelas pessoas conseguiam, através do sufrágio, receber os votos necessários para assumir o posto, por tantos almejado. Só com o passar do tempo, conseguiu entender o funcionamento dessa instância de poder, que sintetiza a melhor representatividade de uma população.
Mais tarde, foi possível extrapolar esse pensamento para as demais instâncias, que periodicamente passam por processo eletivo. Mas, resta ainda uma pesada dúvida na cabeça de José, quem na realidade teria interesse de manter a população nesse estágio, que beira o analfabetismo, disfarçado pela terminologia conhecida como analfabetismo funcional.
Testes nacionais como o IDEB, e internacionais como o Pisa, sintetizam bem, como anda a formação acadêmica dessas novas gerações de estudantes. Outro bom indicador dessa realidade são os constantes erros de concordância nominal ou verbal, em noticiários da TV, ou em programas ao vivo. Nos periódicos então, a língua portuguesa é vilipendiada diariamente, e erros ortográficos pipocam a cada novo parágrafo redigido.
Para fechar esta crônica, trago uma informação que permite comparação direta com outras nações, evidenciando bem nossa distância, através de um indicador robusto e temporal, a média nacional de livros lidos por ano.
Aqui a média está estacionada em 2,5 livros por ano, ou 21% de um único livro por mês, ou seja, em média cada conterrâneo demora cinco meses para ler um livro. Em países europeus como Suécia ou Dinamarca, campeões em qualidade de vida, a média supera um livro por mês (15 ao ano). Os estadunidenses, que já servem como modelo para tanta gente por aqui, têm média nacional, que supera em quatro vezes a nossa (10 ao ano). Para encerrar, de forma ainda mais jocosa, venho informar que apenas 0,9 desses 2,5 livros anuais lidos não são obras didáticas, que escolas exigem dos alunos leitura.
Reparem bem nessa estatística, cada conterrâneo precisa de aproximadamente treze meses para concluir a leitura de um simples livro genérico, quando se exclui livros didáticos da conta. Isso bem comprova o porquê de nos expressamos tão mal, e redigimos pior ainda.
E agora você, para onde caminha nossa educação?