Chico, seu nome
Pedras, bodoques, espingardinhas, mijoleiras, visgo de gameleira, arapucas, gaiolas e alçapões eram meio de vida de muita gente em Pitangui, Sétima Vila do Ouro das Minas Gerais, na segunda metade do Século XX. De vez em quando, hoje, traficantes de animais são presos, os tempos mudaram.
Naquela época, no quintal de algumas casas, esse arsenal era exibido e aguardava compradores. As vítimas eram passarinhos cantadores ou bons de briga. Os gaioleiros indicavam seus donos e os endereços; tudo a céu aberto, nada proibido.
Alguns tinham vida de rico , embora cativos. O passo-preto de seu Zezé, por exemplo. Esse não tinha que lutar pela sobrevivência. Chico, seu nome. Seu Zezé, tratava o Chico a pão-de-ló. No intervalo do almoço, vinha comer em frente à gaiola e dava algum petisco para o passarinho. Antes de voltar para a fábrica de tecidos, verificava a comida, água, portinholas, araminhos, poleirinhos... Assobiava um pouco, provocava, Chico se entusiasmava e seguia a onda sonora do dono. Tocada a sirene da fábrica, seu Zezé dava tchau, Chico assoviava até logo.
Neném, de uns oito anos, com o amiguinho Bartô, vizinho de frente, conversavam sobre o Chico. Neném queria provar que o passo-preto do pai era inteligente, questão de honra. Além de cantar violinicamente, era ensinado. Para provar, abriria a gaiola, o Chico passearia pela redondeza, mas atenderia imediatamente ao assobio do Neném e voltaria à prisão.
Um incerto dia, Neném esperou o pai almoçar e sair. Assoviou em código, lá vem o Bartô assistir ao show tão aguardado. Neném abre a portinhola e espera o Chico sair. Depois da hesitação inicial, o passo-preto toma impulso na mureta do alpendre e ganha o espaço em direção à cruz de metal da capela vizinha. Ali ficou uns instantes, deu outro impulso e sumiu por cima do casario.
Naquele instante, Neném olhou para Bartô, e disse:
- Deixa ele avuá. Ele é ensinado. É só falá "vorta, Chico", ele vorta. Cê vai vê.
Pois não voltou. Neném, acompanhado pelo fiel Bartô, já está na terceira volta pelo quarteirão, a gaiola de portinha aberta. Perguntam pelo Chico, ninguém sabe. Neném continua olhando o céu e grita, já implorando:
- Vorta, Chico!
Passada meia hora, Chico não voltou. Saíram perguntando, ninguém tinha visto o passo-preto. Desistiram. As lágrimas finalmente desceram em catadupas pelos olhos de Neném, mas Chico não se comoveu, Chico não voltou.
Neném ganhou uma surra, Bartô se trancou em casa, seu Zezé ficou de cara amarrada pra todo mundo. Depois de uns dias, trocou seu canivete suíço por outro passo-preto. Chico, seu nome.