Bata na madeira

- Certa vez em Roma, - confidenciou-me o coronel Barnaby Dixon - estive numa sessão onde o espírito de William James fez contato.

Estávamos eu e o coronel na varanda de sua residência de campo, em Oakham, num belo entardecer de verão. Dixon há muito demonstrara seu interesse pelos fenômenos psíquicos, mais ainda depois dos anos que passara a serviço de Sua Majestade, em Calcutá.

- E como o professor James manifestou-se? - Indaguei. - Deu pancadas na mesa ou coisa semelhante?

O coronel me encarou como se eu fosse um bruto ignorante.

- Estamos falando de um filósofo, de um cientista... naturalmente ele não usaria de um método de comunicação tão primário para entrar em contato com os viventes. Não, ele mandou uma mensagem através de escrita automática!

- Ah, havia um médium envolvido - ponderei, nada impressionado.

- Uma médium; madame Judyta Bednarek. Era uma personalidade muito conhecida em Roma nas duas primeiras décadas deste século - declarou ele, como se a menção fosse produzir reconhecimento. Mas eu nunca estivera em Roma, tampouco ouvira falar de madame Bednarek.

- Mas você certamente ouviu falar na carta-testamento de William James - insistiu ele.

Tive que confessar que pouco conhecia dos trabalhos do filósofo, sequer que ele havia deixado uma carta-testamento.

- Pois sim, ele deixou uma carta lacrada, trancada num cofre - explicou o coronel. - Apenas o presidente da Sociedade Americana para a Pesquisa Psíquica, James Hyslop, sabia a combinação do mesmo. A carta serviria para provar ou desmascarar definitivamente a existência do mundo espiritual.

- Imagino que a comprovação seria dada pela transcrição mediúnica do conteúdo da tal carta-testamento - especulei.

- Precisamente! - Entusiasmou-se o coronel. - E então, nesta sessão a qual me referi, madame Bednarek recebeu um espírito que se identificou como William James. Sem o título de professor, repare, pois afirmou que este tipo de qualificação não se aplica a quem já não pertence a este mundo.

- Soa lógico - comentei. Quase socialista, registrei mentalmente. - E então a médium transcreveu "ipsis litteris" o texto da tal carta-testamento?

O coronel olhou para o ar, como que organizando melhor os pensamentos.

- Bem... ela produziu um longo texto, basicamente indecifrável - admitiu por fim.

- Pensei que a escrita automática existisse para facilitar a comunicação entre vivos e desencarnados - ponderei. - Caligrafia ruim, vá lá... mas textos indecifráveis? Qual o valor disso?

O coronel balançou a cabeça, acatando a minha observação.

- O texto de madame Bednarek foi fotografado, e uma cópia enviada para James Hyslop, nos Estados Unidos. Posteriormente, li na imprensa que ele disse não poder corroborar o que estava escrito na transcrição, pelo simples fato de que jamais houvera uma carta-testamento.

Ergui os sobrolhos.

- Então, a história da tal carta era mentirosa?

O coronel deu de ombros.

- Madame Bednarek assegura que sua transcrição era real. Talvez Hyslop quisesse desacreditar o trabalho da médium por ela não residir nos Estados Unidos.

Ou talvez o coronel estivesse por demais disposto a aceitar que a médium estava dizendo a verdade, concluí. Fosse como fosse, apenas o próprio William James poderia esclarecer o mistério. Mas não só ele estava morto, como, tomando as garatujas de madame Bednarek como exemplo, seu espírito havia regredido para um estágio de comunicação não-verbal.

Talvez alguém pudesse ter simplesmente solicitado ao professor que se manifestasse batendo na mesa. Uma vez para sim, duas para não.

- [26-11-2023]