A vez do mineiro

     Vão ao Rio de Janeiro para registrar umas 20 músicas na Biblioteca Nacional. É a obra de quatro compositores do interior, dois apenas viajam, questão de economia. Na volta, iriam apresentar os recibos e acertar as despesas.      Tomam o ônibus em Belo Horizonte. Chegam cedinho, desembarcam na Rodoviária Novo Rio. Daí, pegam o ônibus urbano e partem para a Cinelândia. Quando a Biblioteca abre, vão ao guichê. Entregam a papelada, preenchem os formulários e, em meia hora, saem com os recibos. Tudo pronto.

     A volta é só de noite, têm muito tempo. Fazer o quê? Depois de uma caminhada pela região, se sentam no Yellouzito, aí pertinho, Praça Floriano, fama internacional, vai um chope?.

     - Claro.

     - Dois?

     - Claro.

     Vamos experimentar um escuro?

     - Claro.

     Aí pelas 11 horas, a fome bate.

     - Almoçar aqui mesmo?

     - Claro. 

     Fazem o pedido. Depois do almoço, um vai ao banheiro, o outro olha os "trem". Em seguida, trocam as funções.  

     - Lembrei daquele cara de Beagá que veio passar o aniversário de 18 anos em Copacabana... 

     - Roubaram os "trem" dele. Lembro, sim. Parente da sua irmã, né? 

      Alguns minutos depois, trepa uma lombeira, fome saciada, o sono bate, o baixinho começa a pescar.

      - Ô, pescador, vai quebrar o pescoço... Viu, se a gente ficar aqui, vai cochilar e pode até ser assaltado. Vamos pra Ipanema, ver onde Vinícius de Moraes compôs sua Garota?

     Já ia passando um ônibus pra Ipanema, que sorte. Um deles dá sinal, é agora, pegam as mochilas e entram. Acomodados, ofegantes e, depois da respiração normalizada, um se lembra do trato das despesas com os outros dois compositores:

     - Anotou tudo que gastamos no restaurante, né?

     O outro, cara de surpresa:

     - Uai, cê não anotou? 

     - E cê não pagou?

     - Não, cê não pagou??? PQP.

     - Quando cê foi no banheiro, pensei que tinha pago...

     - E eu a mesma coisa...

     - Quando a gente voltar, desce na Cinelândia e paga. Se não, sobra pro garçom, sacanage...

     - Isso, a gente acerta, depois segue pra Rodô.

     No bar do Vinícius, os chopes deram ideia de fazer uma paródia do Garota de Ipanema. "Olha que coisa mais feia, a perna sem meia, um monte de veias a incomodar..." Era até um começo promissor, mas ficou por aí mesmo, os chopes seguintes embolaram o meio de campo. Até o nome da paródia, A véia da Pampulha, caiu no esquecimento.

     Chegou a hora de ir pra rodoviária. Alegrinhos, pagaram a conta, mas esqueceram do garçom da Cinelândia. O ônibus parecia voar e só pararam na Novo Rio. Até ontem não voltaram pra quitar a dívida no Yellouzito. Será que estão vingando o mineirinho que foi passar o aniversário de 18 anos na praia? Se non è vero, è bene trovato. O nome do causo em questão é: Primeira Vez. Já leram? Tá aqui no Recanto, sirvam-se: https://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/7747652.